O Jornal O Popular noticia hoje que a Assembleia Legislativa de Goiás aprovou, em primeira votação, a regularização de igrejas que estão ilegalmente construídas em áreas verdes ou institucionais (aqueles espaços públicos destinados a construção de praças, escolas, creches, hospitais, delegacias…). O placar não foi folgado: foram 26 votos a favor dessa Emenda à Constituição Estadual, um sufrágio a mais que o mínimo necessário.

O projeto deve ir hoje à segunda votação. Não creio que a repercussão midiática seja suficiente para reverter o quadro. Igrejas das mais variadas orientações vão ganhar seu lote para tocar adiante suas atividades.

Não é de hoje que as questões ligadas à fé estão envolvidas com a política. Regimes teocráticos são comuns mundo afora desde que descemos das árvores. A separação entre Estado e Igreja é uma das maiores conquistas da democracia ocidental. Deixar as questões de crença de um lado distinto às questões do poder é de um avanço institucional incrível.

Uma pena que o Brasil nunca tenha levado isso muito a sério. A influência da Igreja Católica nas instituições públicas é histórica. E chega até aos governos do Partido dos Trabalhadores. Lembram-se que Lula tinha Frei Beto em seu núcleo duro? Pois é. Mais recentemente, uma missa supostamente celebrada para homenagear a memória da ex-primeira-dama Marisa Letícia serviu, na verdade, como palanque para o último discurso de Lula antes de ser preso.

Os evangélicos também exercem sua brutal pressão religiosa sobre o Estado. No Legislativo, os caras nadam de braçada. A força da bancada da Bíblia é inquestionável. Eles têm poder para avançar e barrar pautas conforme seus interesses. Nada calcados em leituras republicanas, e sim de acordo com sua percepção religiosa.

Isso sem falar da quantidade de líderes da fé nas câmaras municipais e Assembleias Legislativas pelo Brasil afora. O que aconteceu ontem em Goiás, infelizmente, não é exceção.

Mas o poder religioso não se limita aos parlamentos. A eleição de Marcelo Crivella como prefeito do Rio de Janeiro é só o mais notório avanço da fé sobre o poder executivo. Alguns dizem que o próximo passo do segmento religioso é estender seus tentáculos para o Judiciário, começando a aprovar em concursos públicos juízes sensíveis aos seus pleitos. Não duvido.

É bom deixar claro que não tenho nada contra o envolvimento de pessoas das igrejas na política. Contudo, não dá para aceitar que o indivíduo se paute na esfera pública segundo as orientações de sua fé, assunto exclusivamente do âmbito privado.

Voltando ao caso específico de ontem, é evidente que temos uma carência de equipamentos públicos que poderiam ser construídos nas áreas que estão na iminência de serem regularizadas para as igrejas. Mas o poder das mesmas é tão grande que mesmo deputados que não concordam com esse usucapião ficam receosos de encarar a briga.

Também não nego o importante papel social que várias igrejas executam. Muitas vezes, as falhas assistenciais do Estado brasileiro são cobertas pelas ações dessas instituições.

Por outro lado, não dá para relevar que tantas igrejas exercem claramente atividades econômicas. E que, como tal, deveriam ser tributadas assim como todo e qualquer empreendimento comercial.

Mas tenho clareza de que sonhar com isso é bobagem de minha parte. No momento de hoje, garantir o preceito constitucional de laicidade do Estado já é uma grande vitória.

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