Entrei de férias! E enquanto o povo lá de Brasília não nos garfa também esse direito trabalhista, aproveito o ócio remunerado para colocar a leitura em dia. Ontem, peguei na minha estante um livro que já estava há algum tempo por lá esperando sua vez de ser lido: MTV, bota essa porra pra funcionar.

A obra conta a história da MTV por dentro. Desde de sua chegada ao Brasil no início da década de 1990 até a despedida em 2013. A relação com a audiência, mercado publicitário, contratação de VJs, vínculos com artistas, tretas internas e posicionamento perante a sociedade. A leitura é rápida, direta. Matei em um único dia.

O autor tem credibilidade para o que se propõe. Zico Goes entrou na emissora logo no início, ainda no primeiro time. Conseguiu um frila de tradutor e, aos poucos, foi galgando posições. Chegou até diretor de conteúdo e programação. Ou seja, um dos manda-chuvas do esquema. É claro que isso contribui para uma visão parcial da história. Você deve ler com esse crivo. Isso traz alguns prejuízos. Por exemplo, hora alguma ele cita a relação das drogas dentro da emissora. Já vi entrevistas de Cazé Peçanha dizendo que nem Bob Marley and The Wailers consumiram tanta maconha quanto o processo criativo interno da MTV. Goes não cita isso no livro em nenhum momento. Precaução, imagino.

Dessa posição de chefia, o autor conduziu grande parte das inovações que a emissora trouxe para o jovem brasileiro dos anos 1990.

Falo por mim. Devo um tantão de minha cultura musical e do universo pop à MTV. Diferentemente de outras capitais em que o sinal da emissora era aberto, em Goiânia a televisão especializada em música só chegava via cabo. Minha família era de classe média baixa, quebrada. Não tínhamos grana para pagar a Multicanal. Mas minha tia tinha. E ela é um amor. Ia para o trabalho e deixava gravando em VHS a programação da emissora a tarde inteira. Nos almoços de domingo na casa da avó, quando ela chegava com uma pilha de fitas de videocassete, era meu deleite. Assistia as fitas várias e várias vezes, até que na semana seguinte levava novamente para que a Tia Vi gravasse por cima outra maratona vespertina de clipes.

Pela MTV, vi a cara da geração grunge, conheci outros nomes noventistas e o novo rock nacional que nascia naquela década. Quando comecei a estagiar, a primeira coisa que fiz foi pagar uma conta da Multicanal para ter MTV em casa. E valeu cada centavo.

O livro de Goes mostra que a minha identificação com a emissora não era aleatória. Na verdade, esse sempre foi o grande objetivo daqueles malucos que falavam com a gente como se fossem um amigo mais velho, dando um toque de bandas que a gente não conhecia. Tudo fazia parte do planejamento estratégico da emissora. Falar de igual para igual com a rapaziada. E nós nos sentíamos parte daquilo.

Em 1999, tive a oportunidade de conhecer os estúdios da MTV. Estava no primeiro ano da faculdade de Jornalismo. Junto de minhas amigas Ágatha Couto e Fernanda Seabra, fomos à São Paulo para a Bienal de Design Gráfico. Tiramos um dia e, com a cara e coragem, batemos na portaria da MTV. Argumentamos que éramos estudantes de Jornalismo de Goiânia, mostramos nossa carteirinha da UFG e… o porteiro disse que não rolava. Tinha um dia da semana específico para visitas e não era ele que apontava na folhinha.

Ficamos de bobeira nas escadas, ao lado de um grupelho de adolescentes histéricas que esperava uma banda efêmera que daria uma entrevista na emissora. De repente, passa Marina Person. Com um Ray-Ban estiloso, ela parou para atender as garotas gritando. Conseguimos a chamar de lado e explicamos nossa situação. Ela ouviu com atenção e disse para que aguardássemos.

Passados alguns minutos, o porteiro disse que poderíamos assistir à transmissão do Contato MTV, programa de jornalismo que ela apresentava ao lado de Edgard Piccoli. Só que o relógio marcava pouco mais de 13 horas. E o programa só começava às 20h30.

Fomos à lendária padaria ao lado do prédio da MTV e bebemos altas cervejas até o horário. Quando tivemos autorização para subir, estávamos naquele pique. Marina foi de uma simpatia sem igual. Mostrou a redação (que realmente tinha um cheiro de mato queimado no ar) e ficamos atrás da câmera, vendo tudo que rolava ao vivo. Posso dizer que realizei um sonho.

Aos poucos, a MTV parou de fazer sentido para mim. E Goes explica no livro que isso também não era sem propósito. Eu tinha saído do público-alvo da emissora. Quando ela fechou em 2013, me doeu pela nostalgia. Mas não no meu cotidiano. Eu já não assistia a emissora como fazia anos atrás.

A grande virtude do livro foi compreender as internas de uma emissora que ainda hoje guardo com carinho em meu baú de memórias. E isso não tem preço.

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