“Dos quatro autores reunidos neste livro, pode-se dizer que são todos estranhos, ainda que cada um à sua maneira”, comenta Miguel Conde. O jornalista é o organizador da obra Quarteto mágico: contos, reunião inédita de doze contos dos grandes nomes da literatura fantástica brasileira, que chega às livrarias pela Autêntica Editora.

Concebida pela editora Maria Amélia Mello, a coletânea revela a pequena mas admirável faceta contista de Campos de Carvalho e dá início a um projeto de resgate da produção literária de Victor Giudice – a ser consolidado em 2019 com a reedição de todos os seus contos também pela Autêntica –, tudo isto somado à forte presença já consagrada em nossa literatura da obra de José J. Veiga e Murilo Rubião.

Como exemplo do que o leitor encontrará no Quarteto mágico é possível citar: O pirotécnico ZacariasOs cavalinhos de PlatiplantoEspantalho habitado de pássaros e O arquivo. Para Conde, as histórias no livro reunidas possuem cada uma o seu jeito próprio de narrativa entre o prosaico e o delirante. “Nem apenas devaneio fantasioso, mas tampouco mera alusão velada ao real, essas histórias se desenrolam num limiar insólito que apaga as fronteiras rígidas entre esses mundos”, afirma.

A árvore genealógica e o diálogo literário existente entre esses quatro mestres do surrealismo brasileiro ficam ainda mais completos acompanhados pelos pequenos perfis biográficos acrescentados à obra: os textos, assinados pelo organizador, consideram as histórias de vida dos quatro autores, seus personagens e fazem um panorama de suas produções literárias.

De acordo com Conde, a antologia oferece uma experiência enigmática ao leitor, que é convidado a solucionar os mistérios por trás de cada uma das histórias contadas. “Não se espante, leitor, se estas histórias fugirem aos bons costumes da verossimilhança, da medida justa da expressão ou da sequência certeira de episódios que costumamos atribuir às histórias ‘bem-amarradas’. Melhor aqui pensar naquele parafuso meio solto que leva algumas histórias à vizinhança do absurdo e do disparate, aos detalhes extravagantes e tipos bizarros, aos silogismos em que premissas e conclusões estão sempre fora de lugar”, adverte o organizador na apresentação da obra.

Sobre o organizador: Miguel Conde nasceu no Rio de Janeiro em 1981. É jornalista, editor e crítico literário. Foi curador de duas edições da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) e editor assistente do caderno “Prosa & Verso”, do jornal O Globo, no qual assinou a coluna “Procura-se”, sobre livros fora de catálogo. Seus artigos e reportagens foram publicados em veículos nacionais e estrangeiros, como os jornais Folha de S. Paulo e Valor Econômico, o siteLiterary Hub e as revistas Arcadia e Letterature d’America. É doutor em Letras pela PUC-Rio.

Sobre os autores:

Murilo Rubião (1916-1991) nasceu em Carmo de Minas. Ingressou na Faculdade de Direito, formando-se em Belo Horizonte em 1942. Em 1947, lançou seu primeiro livro de contos, O ex-mágico, mas foi com a publicação de O pirotécnico Zacarias, em 1974, que ganhou súbita fama. Nos anos subsequentes, a sua exígua obra passou a ser vista como a mais significativa manifestação da literatura fantástica no Brasil.

Só um pensamento me oprime: que acontecimentos o destino reservará
a um morto se os vivos respiram uma vida agonizante?
E a minha angústia cresce ao sentir, na sua plenitude,
que minha capacidade de amar,  discernir as coisas, é bem superior
à dos seres que por mim passam assustados.

Trecho de O pirotécnico Zacarias

José J. Veiga (1915-1999) nasceu em Corumbá de Goiás e mudou-se para o Rio de Janeiro para estudar na Faculdade Nacional de Direito. Foi comentarista na BBC de Londres, trabalhou nos jornais O Globo e Tribuna da Imprensa, entre outros veículos. Estreou na literatura com Os cavalinhos de Platiplanto, em 1959.

Mas quando a gente é menino parece que as coisas nunca saem como a gente quer.
Por isso é que eu acho que a gente

nunca devia querer as coisas de frente   por mais que quisesse,
e fazer de conta que só queria mais ou menos.
Foi de tanto querer o cavalinho,  e querer com força, que eu nunca cheguei a tê-lo.

Trecho de Os cavalinhos de Platiplanto

Walter Campos de Carvalho (1916-1998) nasceu em 1916, em Uberaba, Minas Gerais. Formou-se em direito com apenas 22 anos, e teve sua vida sempre ligada à literatura.  É autor dos livros A lua vem da Ásia (1956), Vaca de nariz sutil (1961), A chuva imóvel (1963) e O púcaro búlgaro (1964). De 1968 a 1978, colaborou, também, n’O Pasquim e no Estado de S. Paulo.

Os óculos não me permitem ver como antigamente, e no entanto eu me vejo antigo. 
Talvez este frio que me vem dos pés, em pleno dezembro,
e ainda há pouco me reteve sem uma razão junto ao lago da praça,
o que foi o lago na praça e hoje é apenas um monumento. 
Como se eu já arrastasse o cadáver dos meus pés.

Trecho de Espantalho habitado de pássaros

Victor Giudice (1934-1997) nasceu em Niterói e formou-se em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) em 1975. Publicou seu primeiro conto em 1969 no Jornal do Escritor e fez sua estreia em livro em 1972, com Necrológio, mas foi a  publicação de Os banheiros que consolidou seu reconhecimento como “um dos nomes mais expressivos da ficção brasileira contemporânea”, nas palavras de Caio Fernando de Abreu.

Percebi que ele queria falar comigo e me levantei.
Sua voz era tímida, quando pediu que me deitasse dois metros
adiante do local onde estivera deitada antes.
Não compreendi e perguntei a razão da mudança.
O funcionário fez uma inspeção lateral meio amedrontada
e explicou que se tratava de ordens do novo gerente, e ele preferia não discutir.

Trecho de O hotel

Serviço:

QUARTETO MÁGICO
Contos

Autores: Murilo Rubião, José J. Veiga, Campos de Carvalho e Victor Giudice
Organização: Miguel Conde
Páginas: 176
Formato: 14 x 21 cm
Acabamento: brochura
ISBN: 978-85-5130-386-3
Preço: 44,90
Editora: Autêntica
Grupo Autêntica
www.grupoautentica.com.br

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