Tenho certeza que um de meus vizinhos não tem horário convencional de trabalho. Minha relação com ele não passa dos cordiais cumprimentos quando nos encontramos pelas ruas do bairro. Sequer sei seu nome. Muito menos o ofício a qual se dedica. Contudo, as baladas que ele promove em sua casa me permitem concluir que seu trabalho passa longe do escritório das oito da manhã às seis da tarde.

Já me adianto que elas são bem esporádicas. Uma a cada três meses, em média. Super tranquilo. O que impressiona é que as baladas acontecem em dias da semana nada usuais. Por exemplo, na última terça-feira rolou uma. Ele varou a madrugada curtindo um som com uma pequena rapaziada. Pelas conversas que chegaram na minha casa, não mais que dez pessoas. Insisto: tudo super de boa.

Acho sossegado pois dormir nunca foi um problema para mim. Muito pelo contrário. O problema sempre foi acordar. O mesmo acontece para toda minha família. Pense numa galera boa de sono. Aqui estamos. Pouquíssimas vezes sofri de insônia na vida. E sempre tinha uma preocupação específica como razão. Nunca foi por barulho ou luminosidade.

Toda vez que me mexia na cama, ouvia um som ou uma risada. E já voltava confortavelmente a me acomodar no travesseiro babado. O colo de Morfeu é meu lugar preferido.

O gosto musical do vizinho colabora para minha paz. Ele curte basicamente MPB e blues. Já percebi que Alceu Valença é seu artista preferido. Sim, sei que sou um cara de sorte. Mas nem sempre foi assim.

Por muitos anos, trabalhei com produção cultural. Chegar em casa às seis da manhã de um domingo, depois de fechar caixa de bar e bilheteria, era algo rotineiro nos meus finais de semana. Eu morava no Setor Aeroporto, próximo a uma igreja. Pontualmente, às nove da manhã, começava o som de louvor com um estridente prato de bateria que soava dentro de meu quarto. Tenho um pouco de vergonha do que já cheguei desejar para aquele baterista.

Voltando ao meu vizinho que promove baladas nas terças, imagino que nem todos que morem ao nosso redor tenham a mesma facilidade para grudar os olhos que eu. E também nem todos gostem de ouvir Morena Tropicana dez vezes na noite. Quando me lembro do som da igreja, fico solidário.

Mas, caso permaneça na atual toada, nunca vou reclamar das festas do meu vizinho. Até por que, aos finais de semana, devo ser eu quem causa algum tipo de incômodo sonoro na vizinhança. Estamos quites.

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