Por ocasião dos 30 anos do acidente com o Césio 137, em Goiânia, o Governo do Estado de Goiás informou à imprensa nacional e internacional que os casos de óbito por câncer entre as vítimas da tragédia seriam seis. No entanto, em 2007, a Superintendência Leide das Neves (Suleide), hoje Centro Estadual de Assistência aos Radioacidentados (CARA), já contabilizava 12 mortes provocadas pela doença, que se tornaram 15, em 2012.

Nas inúmeras reportagens realizadas na época, nenhum jornalista contestou aqueles dados oficiais, que acabaram sendo amplamente difundidos. Meses depois, enquanto realizava checagens para o fechamento do conteúdo da segunda edição do livro Sobreviventes do Césio 137, Carla Lacerda se deparou com inconsistências no relatório elaborado pelo Governo do Estado, que ameniza danos do maior desastre radiológico urbano já ocorrido no Planeta Terra.

“O livro levanta esta denúncia em manifesto contra o apagamento desta história que se iniciou em 1987 e ainda não acabou”, comenta a jornalista. Lançado em 2007 pela Editora Contato, Sobreviventes do Césio 137 recebeu menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog, organizado pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo. Na ocasião, Carla Lacerda era repórter do diário O Hoje e produzia reportagens especiais sobre os 20 anos do acidente radiológico em Goiânia.

A segunda edição conta com a contribuição do colega de profissão, Yago Sales, apoio fundamental para a atualização de narrativas. O prefácio foi escrito pelo premiado jornalista e documentarista Vinicius Sassine. A apresentação do livro traz o ponto de vista da editora Larissa Mundim acerca de percepções que ficam mais nítidas com o distanciamento de três décadas do acidente com o Césio 137. Reeditado pela Nega Lilu Editora e relançado pelo Selo Eclea, a publicação do novo projeto editorial foi viabilizada por financiamento coletivo (crowdfunding), por meio da campanha “30 anos sem Leide das Neves”.

Literatura e jornalismo

A escrita de Sobreviventes do Césio 137 se ancora nos princípios do Jornalismo Literário. Segundo Carla Lacerda, a referência para a produção do conteúdo inédito, especialmente escrito para esta segunda edição, é o livro Hiroshima, de John Hersey, considerado um marco do jornalismo literário moderno.

Assim, a jornalista conduz o leitor para aquele domingo, 13 de setembro de 1987, quando um aparelho utilizado para tratamento de câncer – que continha a cápsula de césio – foi encontrado por dois jovens em um terreno baldio onde funcionava o antigo Instituto Goiano de Radioterapia (IGR), hoje o Centro de Convenções de Goiânia. “Como viviam as vítimas? O que sentiram durante a crise? Essas foram algumas perguntas que me motivaram a escrever e a registrar, por meio da história oral, a memória destas pessoas, como um patrimônio”, conta Carla.

A publicação contém depoimentos de vítimas que, durante muito tempo, se recusaram a falar sobre o acidente com a imprensa, como os irmãos de Leide das Neves, Lucimar e Lucélia. E testemunhos que não estão mais disponíveis como o de Wagner Mota, um dos rapazes que achou a bomba de césio nos escombros do antigo IGR.

Profissionalmente envolvida com o caso há mais de 10 anos, Carla Lacerda ainda obteve instigante depoimento de Edson Fabiano, vizinho de Devair Alves Ferreira, um dos últimos sobreviventes a voltar do Hospital Marcílio Dias, no Rio de Janeiro. Geraldo Guilherme, que levou a bomba de césio à Vigilância Sanitária junto com Maria Gabriela, também foi encontrado pela autora e compartilha suas memórias sobre a tragédia radioativa. O então secretário estadual de Saúde, Antônio Faleiros, o bombeiro Agildo Wagner Jaime e Lourdes das Neves (a mãe da pequena Leide) são outros que trazem sua versão sobre o acidente.

Colaboração

Em 2013, o então estudante de jornalismo Yago Sales começava a se envolver emocionalmente com as histórias de vida das pessoas diretamente envolvidas na tragédia. Ele conta que, de maneira despretensiosa, foi se aprofundando na pesquisa sobre o assunto sem suspeitar os rumos que tomaria. “Fazia aquilo instintivamente, sem qualquer noção de como e onde usaria as informações que ano a ano se repetem, mudando apenas que as vítimas entrevistadas – como dona Lourdes das Neves e Odesson – vem envelhecendo, repetindo sempre a mesma dor do desamparo, dos anos desperdiçados em audiências públicas e da memória se apagando com o silêncio de cada uma das vítimas”, lembra.

Sobreviventes do Césio 137 começa com uma narrativa cromática evanescente que alerta para a necessidade do registro do discurso não oficial, não institucional contra o apagamento da memória. “De outra maneira, entendemos também este passeio dos olhos pelo azul como expressão do desejo pela descontaminação de todo o preconceito e discriminação que impactam a história de vida das pessoas envolvidas nesta história”, arremata a editora Larissa Mundim.

SERVIÇO

Lançamento do livro: Sobreviventes do Césio 137, de Carla Lacerda, com colaboração de Yago Sales

9 de agosto (quinta), às 19 horas, no Coruja Café (Rua T-37, esquina com Rua T-12, Connect Park Business, Setor Bueno)

Preço de capa: R$ 40

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