Preocupante a fala do presidente eleito Jair Bolsonaro ontem, em entrevista ao Jornal Nacional, sobre a Folha de São Paulo. É possível inferir que dias duros virão para quem trabalha com a fiscalização dos atos do futuro inquilino do Palácio da Alvorada.
Vou tentar entender o lado de Bolsonaro. Compreensível o rancor como ser humano quando é incomodado pela imprensa livre. O cara se sente injustiçado, perseguido. É normal que um sentimento ruim aflore.
Mas a vida de um político não é só flores e aplausos. As críticas virão. Mais certas que o sol no céu todas as manhãs. Por isso, é condenável alguém que se proponha a estadista afirmar que vai direcionar a publicidade governamental, dinheiro que sai do imposto que todos pagamos, para órgãos amigos.
Todos ex-presidentes têm queixas mil acerca da imprensa. Sarney imputa o fracasso do Plano Cruzado às críticas feitas pelos jornais. Collor diz que sua queda foi por conta do jornalismo parcial das revistas semanais. Não só isso: mandou a Polícia Federal fazer uma revista na redação da Folha de São Paulo. Intimidação pura.
FHC é cheio de mágoas com as apurações de corrupção dos casos Eduardo Jorge e da compra de votos para a aprovação da reeleição. Lula e Dilma são recorrentes nas queixas à tal da imprensa golpista para justificar o ocaso petista.
Desnecessário lembrar da censura imposta pela ditadura militar às redações dos jornais brasileiros, que publicavam receitas de bolo no lugar de matérias que não tinham o aval do execrável órgão de controle.
Viu como o discurso do Bolsonaro é recorrente? Um dos motivos de lutar pela imprensa e pela garantia de sua liberdade de atuação é o dever de ser essa pedra no sapato dos poderosos.
Para bater palmas, Bolsonaro tem dez mil cargos para indicar assessores. É o que diz Eliseu Padilha. Para fiscalizar seu trabalho, contamos com uma imprensa altiva.
Por isso que é preciso ser dito: o que a Folha revelou em relação à funcionária fantasma Val não é mentira. A reportagem comprou açaí das mãos da mesma, voltou ao local em vários dias alternados, conversou com a vizinhança. A mulher recebia sim um salário do gabinete de Bolsonaro e não trabalhava em Brasília. Se o jornal mentiu, como afirmar o presidente eleito, não é ele quem deve afirmar isso. É assunto para a Justiça decidir. Que ele tenha compostura institucional para respeitar os trâmites legais.
Por isso que é preciso ser dito: foi contratado sim serviço de disparo de mensagens pelo WhatsApp contra o Partido dos Trabalhadores. Não há sentença judicial afirmando que se trata de mentira.
Mas vamos dar um desconto para Bolsonaro. Talvez ele ainda esteja encontrando o tom certo de sua transição de candidato histriônico para chefe de Estado. Pode ser. Mas, novamente, é meu dever enquanto jornalista fazer a chamada e ajudar que o presidente eleito se porte como guardião da imprensa livre. A defesa do relevante trabalho prestado pela Folha de São Paulo se impõe. Como o próprio William Bonner fez. Parabéns ao jornalista da Rede Globo pela correção profissional.
Parabéns pelo texto! As pessoas precisam entender isso…