Não é a primeira vez que Roger Waters está no Brasil. Essa é a quarta turnê do eterno baixista do Pink Floyd por aqui. Não é a primeira vez que seu espetáculo tem contornos audiovisuais que fazem uso de tecnologia de ponta. Basta lembrar que, ainda nos anos 1970, sua banda se esforçava para promover esse diálogo. Então por que diabos digo no título desse texto que a apresentação de Waters no último sábado (dia 13/10) em Brasília foi histórica? Simples: pela aura.
Sou um fã tardio de Pink Floyd. Travei meu primeiro contato com a banda por meio do onipresente The Wall, ainda no início da adolescência. Não me desceu. Achei chato. Assisti ao filme do mesmo álbum em uma aula de Filosofia do segundo grau. Fiquei confuso. E angustiado com a cena do barbeador nos mamilos. Até hoje me sinto mal ao lembrar daquele momento.
Nessa época, a banda inglesa estava em alta. Tinha lançado há pouco o The Division Bell. Take it Back tocava nas rádios. Meu amigo Paulo André, que morava no meu prédio, era fã dos caras. Tinha camiseta e falava de fases, álbuns clássicos e brigas entre os membros. Ele me emprestou o disco recém-lançado. Ouvi o LP em casa. Achei chato.
Desisti da banda e virei um detrator de Pink Floyd. Eu começava a me ligava ao punk rock. E era impositivo falar mal da banda. Segui o caminho.
Somente com 20 e poucos anos reconheci algum valor no trabalho dos caras. Uma ex-namorada era fã e me fez ouvir o álbum Wish You Were Here. A ambiência favoreceu e compreendi Shine on You Crazy Diamond. Chapei. Fiquei ouvindo o disco a noite toda. Ouvia o lado A e terminava de curtir a música no lado B. Um lado, outro lado, um lado, outro lado…
Logo depois, conheci o Dub Side of The Moon do Easy Star All-Stars, versão jamaicana e enfumaçada do clássico de 1973. Chapei. Fui ouvir o original e o estrago estava feito. Comecei a ouvir tudo da banda. O que me levou a comprar os ingressos, logo que foram colocados ao dispor do público, para o show do Roger Waters em Brasília.
Tenho experiência em grandes shows. Vários constam no meu currículo. Eu nunca vi um som para o público de tamanha qualidade como o do último final de semana. O PA proporcionava ambiência e imersão. O som vinha de todos os lados. Impressionante.
O telão é um show por si só. Novamente, qualidade técnica de primeira. Definição impressionante, cores vivas na cara, história se conectando às músicas. Um verdadeiro espetáculo audiovisual.
A impressão que tive é que somente agora Waters consegue viabilizar seus sonhos estéticos. A tecnologia de hoje permite que ele faça aquilo que planejou nos anos 1970, mas os recursos disponíveis eram insuficientes.
Mas não é nada disso que deixou o show histórico. O momento social brasileiro coincide com o discurso de Waters. A tensão podia ser percebida no ar. Era quase palpável. Dava para ver na cara do público quem ali era #elenão ou #elesim. Quando as mensagens politizadas apareciam no telão, já se esperava as reações, que aconteceram.
Isso que Walter Benjamin chamava de aura no clássico ensaio A Obra de Arte na Era da Reprodutibilidade Técnica de 1935. Aquelas músicas tocadas ao vivo, naquele cenário audiovisual, somado ao contexto brasileiro, deixou tudo mais especial. Na verdade, único. Somente quem viveu sabe do que estou falando.
Caso não tenha ido ao show, o que você leu na rede social é verdade. Seus amigos não exageraram. Foi realmente incrível.
E o recado dado vai ficar por muito tempo na cabeça: FUCK THE PIGS!