O despertador tocou novamente, fui desligar e era hora de levantar… Desculpe aí, Jorge Ben. Sei que ficou péssima essa adaptação do clássico O Telefone. Mas é difícil bolar algo legal para um objeto que goza do mais profundo desprezo social. Não tenho dúvidas de que o inferno é repleto de despertadores por todos os lados.

Ele sempre toca na hora do sono mais pesado. Na hora em que a cama está mais quentinha. No momento em que você parece mais relaxado. Quando finalmente você abraça o descanso, baba no travesseiro e se esquece dos boletos para pagar. O maldito vem com seu barulho satânico. E nos lembra que não somos milionários. Que temos que levantar para ganhar a vida. Para pagar os juros do banco. Ele nos coloca de volta para nossa vida miserável, ordinária e sem sentido. Ele nos tira dos sonhos e vomita em nossa cara a sofrida realidade.

Se o despertador não é uma criação do diabo é porque o próprio o considerou muito cruel.

Minha mais remota lembrança de um despertador é da primeira infância. Meus pais tinham um relógio despertador daqueles antigos, movido à corda. O bicho era barulhento. Nem o Motörhead em seu auge conseguiria tirar tantos decibéis. Uma sirene alta que despertava em susto toda família. Nosso café da manhã era uma mistura de pão na chapa, bolo, café, leite com Toddy e estado de pânico.

Depois, meus pais compraram um rádio-relógio. Pensei que minha qualidade ao acordar melhoraria. Garoto ingênuo. O bip frenético do aparelho conseguia ser pior que o triiiiiimmmm contínuo do relógio despertador.

Na adolescência, ganhei o meu próprio rádio-relógio no quarto. Eu teria que ser responsável por acordar e ir para a escola por mim mesmo. A única vantagem era mexer na cama de madrugada e ver que o aparelho marcava 04:12 e eu ainda tinha uma hora e quarenta e oito minutos para dormir. Poucas alegrias são tão sinceras quanto perceber que ainda temos mais de uma hora de sono pela frente. Mas tive uma péssima ideia: programei o rádio-relógio para despertar com música. No terceiro dia em que meu pai teve que me tirar da cama aos chutes por não ter acordado com a rádio tocando, fiquei proibido de usar essa função. Estava eu de volta ao bip frenético e estressante.

O aparelho tinha ainda outro problema. Caso a Celg interrompesse o serviço de madrugada, você perdia a programação de alarme. Logo, perdia a hora. O que era uma dor de cabeça também podia ser usado como álibi para atrasos. Nada é inteiramente negativo nessa vida.

Hoje, o celular roubou o lugar dos despertadores. Eles agora habitam o limbo dos objetos obsoletos e mandados para a aposentadoria pelo telefone portátil. Junto de calculadoras, relógios, aparelhos de GPS, rádios, walkmans, máquinas fotográficas e tantos outros.

Todo dia, acordo com o celular tocando sua musiquinha supostamente tranquilizante na hora que tenho que levantar para encarar a vida.

Não, meu ódio não é menor pelo celular. Ele continua sendo o objeto que me desperta para o sacrifício que é ganhar a vida. E o sonho de acordar sem ser desperto por um aparelho continua sendo o que é: um sonho. 

Comente

X