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Quem me vê hoje não consegue imaginar a criança que fui. Nem com esforço criativo gigante você chegaria perto. Eu era um menino bobo. Continuo bobo, mas de outro jeito.

Tímido, quase ninguém ouvia minha voz. No elevador, me escondia atrás das pernas de meus pais quando algum vizinho adentrava o cubículo que sobe e desce. Se puxassem assunto comigo, respondia monossilabicamente. Vergonha. Vergonha. Vergonha. Era só o que sentia.

Um desses vizinhos que, tentando ser simpático, insistia em puxar papo comigo no prédio em que meus avós ainda hoje moram, certa vez, vaticinou: “Com essa timidez, o Pablo vai ser cientista. Vai ficar em laboratório o dia inteiro sem conversar com ninguém”.

Aquilo virou piada em minha família. Mas não me incomodava. Emprestava alguma virtude à minha timidez. E, como eu sempre tive notas boas no boletim, me identifiquei com a comparação. Eu nutria algum orgulho com aquela história.

Toda vez que encontrava o vizinho, ele me chamava de Cientista. Virou um apelido, se não generalizado, apenas da família dele para mim. Quando eu tinha uns 10 anos, ele se mudou de prédio e nunca mais o vi. O apelido Cientista morreu ali. Mas não meu interesse por laboratórios.

No primeiro grau, estudei em escola cara e tradicional de Goiânia. Quase não tive contato com laboratórios nessa fase. Umas duas vezes, no máximo. Com a quebradeira do país nos anos Collor, fui para a escola pública cursar o segundo grau. Por conta das boas notas, passei no exame de seleção na Escola Técnica Federal de Goiás. Ali tive vivência real com laboratórios. E não gostei nada da experiência.

Monotonia, chatice, disciplina pouco criativa, rotina enfadonha. Vi que não era pra mim. Morreu o Cientista que o vizinho apelidou. Acabei aqui, no jornalismo. Sorte da Ciência. Azar o seu, nobre leitor.

Precisamos, enquanto sociedade, antecipar o contato das crianças com os laboratórios de ciências. Despertar vocações mais precocemente, ampliar o leque de contato dos nossos pequenos com as possibilidades vastas do mundo adulto.

Um Ministério da Educação preocupado de verdade com o futuro estimularia a entrada das universidades públicas (que são as grandes produtoras de ciência do Brasil) no ensino básico. Mas não é o que temos pra hoje. A boçalidade reinante no MEC está mais preocupada com revanchismo barato. E sem plano nenhum para o futuro.

A última quarta-feira mostrou que parcela significativa do povo brasileiro está incomodada com a palhaçadinha infrutífera na Educação. Será que os bananas de Brasília entenderam o recado? Quero torcer que sim, mas a prudência me recomenda responder não.

E seguimos com afinco no caminho nebuloso que estamos trilhando.

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