Vocês, novinhos, não têm a mínima noção da canseira que é fazer parte da geração de transição entre o analógico e o digital. Estamos mais perdidos que cachorro no dia da mudança. O mundo novo nega o velho. O velho despreza o novo. E nós no meio desse tiroteio.

Estou perto dos 40 anos e o surgimento da internet me pegou na adolescência. Nasci e construí minhas primeiras referências em um mundo onde o físico tinha valor. Passei por minha formação intelectual na transição entre os modelos. E hoje vivo meus anos adultos em um mundo onde o físico vale menos que a tal da experiência. Com tudo isso no currículo de vida, minha cabeça é uma bagunça completa.

Tenho em casa coleção de discos, CDs e fitas cassete. Umas estantes atoladas de livros e revistas. Uma pilha de DVDs e algumas fitas VHS. Sou um acumulador em estado não patológico. Mas tenho todos traços comportamentais de um daqueles caras que aparecem no Acumuladores Compulsivos do Discovery.

Você acredita que replico esse mesmo comportamento doentio em relação aos aplicativos do meu celular? É inacreditável, mas sofro para apagar um deles que baixei só por curiosidade. Ou aquele que só usamos uma única vez.

Sempre acho que ele ainda poderá ser útil. Mesmo que só tenha servido para consulta a agenda cultural de uma cidade que passei a turismo e não tenho a menor pretensão de retornar nessa vida. Penso que aquele ícone que polui minha tela ainda poderá me salvar em uma situação de emergência. Mesmo que desde o download não tenha sido aberto mais que uma vez.

Acontece que replico a lógica do mundo físico ao virtual. Pensando sob o viés dos dias de hoje, não tem o menor sentido acumular aquele tanto de coisas como faço. Há quanto tempo não abro um dos três dicionários que tenho na estante? Sempre consulto as grafias que tenho dúvida na internet. Mas não tenho coragem de me desfazer daqueles calhamaços que ocupam um monte de espaço.

Pela mesma razão, não consigo apagar os aplicativos do meu celular. Uma vez acumulador, sempre acumulador. Não importa se é de revista velha de música ou de aplicativos com o mapa do metrô de São Paulo. Na minha cabeça, tudo pode ser útil em algum momento do futuro. Mesmo sabendo que isso não vai acontecer.

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