“Nossa, isso seria um sonho!”.
Quanta gente usa tal expressão para elogiar algo, não é mesmo? Um sonho. Algo bom demais para ser verdade. Remete ao prazer que não é humanamente conquistável. De tão bom, é inalcançável. Gozo irrefreável e inevitável. Que sonho!
Tudo culpa desse ambiente sedutor e indomável que é o nosso inconsciente. Quanta coisa fantástica e impublicável não acontece nesse local com a mais completa ausência de superego. É só id e nada mais. Todas loucuras, fantasias e prazeres mil que só podemos viver nesse espaço.
Pois é, se você vive assim, trata-se de privilegiado sim. Não é o meu caso. Essa benesse não caiu no meu colo. No meu repouso profundo, a treta da vida ordinária não para.
Impressionante como eu sempre estou atrasado em um ônibus em meus sonhos. Estou indo para a faculdade e o ônibus não passa no ponto. O coletivo pega um caminho errado e nunca chego onde preciso ir. Eu não tenho dinheiro para pagar a passagem. Fico esperando no ponto errado. Sempre uma confusão me impede de chegar ao local. Sempre de ônibus. E acordo cansado, com a sensação de que não cumpri o meu dever.
S-E-M-P-R-E-D-E-Ô-N-I-B-U-S
Inconsciente de pobre é mesmo uma merda.
Há tempos não sonho com aventuras sexuais acompanhado de musas que nunca conheci. Há décadas não estou no Maracanã fazendo o gol decisivo. Enquanto encharco meu travesseiro de saliva, estou atrasado em um ônibus. Só me resta isso: o estresse de estar atrasado. Em um ônibus.
Óbvio que minha reclamação é pequena perante o que sofre muita gente por aí. Ainda durmo com facilidade, apesar dos sonhos intranquilos. Imagine a quantidade de engravatados que não prega os olhos em Curitiba, por exemplo? Haja Prozac. E lembre-se de apagar suas conversas no Telegram.
Nossa vida já é tão miserável que ao menos o período em que o inconsciente está no controle deveria ser destinado ao prazer.
Cadê o presidentão propondo uma lei para isso? Pelo direito de voltar a ter prazer sonhando! O problema é que, talvez, ele seja a encarnação de nosso pior pesadelo.