Minha caçula amanheceu com febre algumas semanas atrás. Nariz escorrendo, tosse das feias. A clássica gripe goiana do período de estiagem que vivemos. Minha mulher tinha compromissos inadiáveis no trabalho e eu a levei ao hospital.

Como tradição familiar é coisa séria, frequento o mesmo local de quando meus pais me levavam ao pediatra. No caso, o Pronto Socorro Infantil da Avenida Tocantins, no Setor Aeroporto. Sei como as coisas ali funcionam.

Pega senha, senta na cadeira desconfortável, espera, é atendido pela garota estressada, volta pra cadeira desconfortável, espera, espera, espera, espera, TV no Discovery Kids, espera, espera, dá o celular para a filha que está entediada e doente, espera, levanta para esticar as pernas destruídas pela cadeira desconfortável, espera, esp…

NARA, CONSULTÓRIO TRÊS!”.

Aleluia!

Entrei no consultório e a médica estava sentada olhando algo no celular.

Bom dia, doutora”.

Aqui é o consultório quatro, o seu é o de lá, paizinho.”.

A fera que habita meu íntimo foi desperta. Minha vontade era responder “Paizinho é o caralho!”, mas o restinho de bons modos que ainda tenha me conteve.

Paizinho não, doutora. Senhor. Tratei a senhora com respeito e exijo o mesmo”.

A médica perdeu o chão. Eu começar uma dança de YMCA no corredor do hospital estava mais no contexto de expectativas do que aquela fala. Ela pediu mil desculpas, disse que não achava desrespeitoso. Pediu mais desculpas. Tranquilo. Fui para o consultório para o qual minha filha receberia o atendimento e vida que seguiu.

Mas o tal do “paizinho” não saiu de minha cabeça. Uma tentativa de soar carinhoso, afetuoso, mas eivado de desrespeito. Força uma intimidade que não existe. Menoscaba o interlocutor. Ainda mais quando estamos em um momento de fragilidade, procurando atendimento. Não é nesses termos que deve estar pautada a relação médico e paciente.

Paizinho porque? Esperando o atendimento, tive tempo de sobra para avaliar todos que estavam na recepção. Eu era o único homem que levava sozinho uma criança ao médico. A maioria absoluta eram mulheres guerreiras sozinhas. Alguns pais acompanhavam as mães. Eu era o único pai solo no local. Paizinho? Se eu fosse mulher, mãezinha seria ainda mais ofensivo.

Tenho consciência que a médica não disse por maldade. Mas a fala sim reproduz uma relação hierárquica e de poder naquele contexto. Repeito sempre é bom. Senhor era o termo apropriado. Paizinho não. É despeito.

Dias depois, conversando com uma amiga fotógrafa que trabalha com crianças, ela disse que isso é comum em seu estúdio. E que nenhum cliente jamais reclamou. Sei que minha chatice extrapola em muito a média da sociedade brasileira. Não quero mudar. Por isso, nunca é demais repetir: paizinho é o caralho!

 

Pablo Kossa é jornalista, produtor cultural e mestre em Comunicação pela UFG.

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