“Pablo, você podia montar uma playlist no Spotify com sua discotecagem, hein?”.
A educação que recebi de meus pais me obriga a sorrir e inventar uma desculpa para sair dessa abordagem desagradável. Ouço quase que semanalmente esse pedido e, confesso, é difícil manter a serenidade. Minha vontade sincera é xingar a pessoa que vem com esse papo e virar as costas. Mas me controlo. Respiro fundo e tento ser agradável. O máximo que consigo.
Na maioria das vezes, digo que sou analfabeto de lances tecnológicos (o que é verdade) e que não sei montar isso em aplicativo nenhum (o que é mentira). Ou concordo e digo que preciso mesmo fazer uma playlist. E sorrio.
Por vezes, respondo que farei na próxima semana. Eu deveria mandar fazer um adesivo com a frase “Vou publicar minha playlist amanhã” e colar no computador que uso para discotecar. Ficaria tipo aquelas plaquinhas “Fiado só amanhã” de boteco.
A real é que não tenho o menor interesse por playlists. E mais: acho que elas contribuem para o fim da música. Da música como amo e respeito, ao menos.
Preciso ser sincero aqui com você, nobre leitor. Certa vez, com alguma vergonha, já fiz uma playlist. Um evento no qual discotequei me pediu para que publicasse uma playlist com a pegada estética da festa. Fiz e coloquei online. Não pelo prazer, mas pelos caraminguás que botei no bolso.
Sabe como é, a gente faz sexo por amor, prazer ou dinheiro. Aprendi com Frank Zappa que a gente só está nessa pela grana. Não tenho amor pelas playlists, não sinto prazer com as playlists, mas, por dinheiro, sabe como é, a gente topa.
Meu interesse é sempre ouvir discos. Inteiros. Da primeira à última faixa. Na ordem que o artista prensou. O cara dedica horas e horas de seu talento para compor, gravar, mixar, masterizar, escolher uma ordem, criar um conceito… E vem um zé ruela achando que pode emendar aquele som noutra música qualquer que só faz sentido na cabeça miserável do infeliz. É o fim da picada.
Até concordo que há momentos em que uma playlist pode ajudar. Almoço de família, encontro de amigos. Eventos coletivos em que a música não é protagonista, mas faz o fundo essencial para preservar o astral. Em qualquer outra ocasião, a playlist não deveria existir.
A maioria das pessoas abdicou dos discos para ouvir sequências de músicas em toda e qualquer ocasião. Para dirigir, para fazer exercícios, para cozinhar, para ler, para viajar, para meditar… Isso é um grande erro. Ouça um álbum.
Caso queira continuar no abjeto mundo das playlists, beleza. Seu direito optar por viver no inferno. Não tenho nada com isso. Mas, por favor, não me peça para ajudar na decadência intelectual do mundo. Não serei partícipe desse grande equívoco. Não me peça para fazer uma playlist. Nunca.