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Pobre menino rico

20 de setembro de 2019 Nenhum Comentário

Há algumas semanas, conheci e passei umas horas conversando com um cara. Da minha faixa etária, gostos semelhantes. Temos conexões familiares, embora nunca tivéssemos nos encontrado na vida. Bebemos bons copos de cerveja juntos. Enquanto o efeito etílico subia, os corações se abriam. Sempre acontece. E foi o que aconteceu.

Trata-se de um pobre menino rico.

Ser pobre como sou é uma merda. Gastamos boa parte do nosso dia pensando em conta no vermelho, boleto vencido, faturas que vão vencer, sonhos não realizados. Nossa força vital é quase toda direcionada para o sobreviver mais elementar. Como nós, quebrados, somos maioria, um tantão da humanidade compartilha comigo esse sentimento de ter que matar todo dia o leão do dia. E se não pedalarmos a bicicleta com todas nossas forças, o tombo da bike vem no instante seguinte. Naquele papo, vi que rico também sofre. Por outras coisas, é claro, mas sofre.

É evidente que eu já sabia que a dor não escolhe classe social. O sofrimento é democrático, é claro. Mas não me recordo se já tinha vivenciado tal coisa: essa verdade que todos sabemos existir tão olhando com olhar triste nos meus olhos. Deu pena.

Ele é o mais velho de três irmãos. São herdeiros de uma grande fábrica que vende produtos para outras fábricas nos principais mercados brasileiros: São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul concentram a quase totalidade de seus clientes. A empresa trabalha num segmento onde a crise não deu suas caras na última década. Exceção no país, a crise de 2014 não pintou por ali. Vendas em popa. Mas seu olhar é triste.

Ele se formou em Música no exterior. Coisa fina, instrumento clássico. Sonhava com orquestras sinfônicas mundo afora, está entre balancetes e contadores. Bolso recheado, mas tocando uma vida que não era o que almejava.

Uma irmã foi construir o próprio sonho na Europa. Atualmente, vive na Alemanha. Outro, optou por esportes radicais nos Estados Unidos. O patriarca da família teve um problema de saúde e não consegue mais trabalhar. O primogênito abandou as sinfonias para levar adiante o que paga as contas de toda família. E essa frustração é perceptível no seu olhar.

Nós, que temos o orçamento completamente fodido, não imaginamos que gente assim possa sofrer. Afinal de contas, desde que entendemos que somos de família rica, quase todos nossos problemas poderiam ser resolvidos com mais dinheiro disponível. É um choque de realidade quando topamos com quem não tem esse tipo de dificuldade, que nos é tão usual, mas que sofre.

Pobre menino rico.

Na hora de ir embora, peguei mais uma cerveja, dei um forte abraço no cara, marcamos um churrasco para um final de semana do próximo mês. Com tanta mensagem de setembro amarelo nos circundando, vi que precisava fazer algo, ser mais presente para tentar amenizar aquela inegável tristeza. Financeiramente confortável, mas nem por isso menos triste.

 

Pablo Kossa é jornalista, produtor cultural e mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Goiás

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