OpiniãoOQRTendência Pablo Kossa

É muito difícil sair do próprio mundinho

4 de outubro de 2019 Nenhum Comentário

Por motivos profissionais, sou obrigado a conversar com gente de tudo quanto é tipo. Dos que têm a grana grossa aos que estão se virando com o que a vida oferece, Daqueles que precisam vender o almoço para pagar a janta.

O moço do mercado financeiro e seus gráficos no celular. O motorista de aplicativo e sua correria para bater a meta do dia. O fazendeirão cheio de gado, com seus cortes de carne premium, relógios bonitões, linguajar simples e ideias do século retrasado. A terceirizada do órgão público que está sem salário há três meses. A médica dona de clínica chique e que faz plantão no hospital público, com seu jaleco estiloso, olhar de quem dormiu pouco e carrão de mais de 150 mil reais. O jardineiro que reclama que o povo agora está sem grana e estão eles mesmos cuidando do próprio quintal. O estudante que vai para o Enem e está perdido sobre o que fazer da vida. O trabalhador rural envelhecido pelo sol que quer resolver uma pendência no órgão público e que enfrenta quilômetros até a capital para não ter seu problema solucionado.

Pergunto, ouço, pondero, ouço, pergunto, ouço e ouço. Todos têm seus problemas, todos têm suas dificuldades. Componho minha visão de mundo a partir desses relatos e de minhas leituras. Esse é o substrato do qual retiro o meu próprio sustento no jornalismo. Sem essas observações do todo, não conseguiria exercer o jornalismo de opinião. Faltaria a verdade que tento imprimir em meus textos e comentários.

Já há bons anos nessa rotina, uma coisa que sempre percebi é que todos temos grande dificuldade de compreender as diferenças de objetivos. Conforme a profissão ou segmento social, o olhar para a realidade muda. Isso é um tanto quanto óbvio, é claro. Mas explicar isso para quem expõe seu problema não é tarefa simples.

Por exemplo, estava conversando com um grande produtor rural. Ele reclamava dos entraves burocráticos para conseguir uma licença que o autorizaria a aumentar seu gado. Ele tem uma fazenda de boa área na região central do estado e quer produzir mais. Direito dele.

Quando terminou o relato, eu disse que conheço uma pessoa que trabalha no órgão responsável pela autorização que ele demanda. Por causa disso, eu sabia da realidade naquele local. Esse servidor estava triste com o trabalho que acumulava sobre sua mesa sem que conseguisse cumprir os prazos como gostaria. O órgão teve que cortar todos trabalhadores terceirizados que faziam o trabalho administrativo. Eram eles quem despachavam processos, atendiam aos telefonemas e faziam a roda girar. Com o corte de gastos, tudo isso estava sobre suas costas. Ele reclamava que perdia um tempão atendendo ligações e encaminhando para outros departamentos enquanto deveria analisar processos, elaborar pareceres e tocar a bola pra frente.

Você acha que o fazendeiro compreendeu esse problema? É claro que não. Não perguntei ao servidor público se ele entende o drama do produtor rural. Não sei dizer qual seria a reação dele.

E, desse jeito, sem nos preocuparmos com o outro, sem entender as limitações do outro, sem empatia com o problema do outro, seguimos construindo nosso país. Cada um no seu quadrado, cada um correndo para um lado diferente. O resultado do nosso comportamento está aí. Gostemos ou não.

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