OpiniãoOQRRevistaTendência Pablo Kossa

Todo mundo quer ser Fernanda Montenegro

8 de outubro de 2019 2 Comentários

Quando nasci, Fernanda Montenegro já era um clássico. E estava em seu auge. Veja bem, a atriz acabou de completar 90 anos. Eu fiz 40 em maio. Quando dei os primeiros tragos de oxigênio nesse mundão sem eira nem beira, a musa estava com 50 anos. Nas minhas primeiras memórias que a envolvem, da dramaturgia televisiva dos anos 1980, Montenegro já beirava os 60. Absoluta. Enquanto meus pais piravam no talento dela em alguma novela da época, eu ficava emburrado no sofá. Queria sintonizar a TV no SBT para ver Carrossel. Ainda bem que a gente envelhece.

 

Tive a chance de, há 20 anos, viver a histeria coletiva no país por conta da repercussão do filme Central do Brasil. Indicada ao Oscar de melhor atriz, a torcida para que ela vencesse na categoria foi gigante. Não rolou. Azar do Oscar.

 

As festividades por conta da efeméride dos 90 anos da atriz estão por todos os cantos na imprensa. Nada mais justo. Fernanda Montenegro é uma referência absoluta. Nunca tive o privilégio de vê-la no palco. Morar na periferia do Brasil tem seus problemas. Azar todo meu.

 

Contudo, todo brasileiro parece ter intimidade com a atriz. Não sou diferente. Tantas décadas vendo ela despejar talento nas telas pequenas e grandes faz com que esse sentimento de proximidade fosse alastrado país afora.

 

E que delícia deve ser compartilhar o mesmo ambiente de Fernanda Montenegro… A fala dela é acolhedora. O olhar é capaz de inspirar. Os movimentos são precisos. E o principal: a expressão facial transmite muito sentimento. Não há elogio maior que possamos fazer a alguém das artes cênicas.

 

Por si só, chegar aos 90 anos já é um puta privilégio. Basta lembrar que a expectativa média de vida do brasileiro é de 76 anos, segundo o IBGE divulgou no final de 2018. Chegar aos 90 com a credibilidade profissional que Fernanda tem é para poucos. Chegar aos 90 com o prestígio social que ela goza é raríssimo. Chegar aos 90 sendo reconhecida em vida pela genialidade é para os iluminados.

 

Até mesmo quando a boçalidade o ataca, ela vence. Afinal, receber o ódio da turba delirante engrandece o currículo de qualquer um. Ou você acha que daqui 50 anos estaremos lembrando de Fernanda Montenegro ou do diretor de teatro que aderiu ao governo para garantir um contracheque?

 

Por conta disso tudo é que todo mundo queria ser Fernanda Montenegro. E devemos aproveitar cada segundo: é um privilégio enorme viver em um mundo onde ela ainda pisa por aí. Puta privilégio.

 

 

Pablo Kossa é jornalista, produtor cultural e mestre em comunicação pela Universidade Federal de Goiás

2 Comentários

Comente

X