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É o ai Jesus!

26 de novembro de 2019 Nenhum Comentário

Eu já tinha dado o perdido. Vivia um processo interno de convencimento de que o resultado já estava ótimo. No meio do segundo tempo, eu encarava a derrota do Flamengo para o River Plate como um fato. E argumentava comigo mesmo que tudo estava certo.

Minha geração nunca havia visto o Flamengo ir tão longe em uma Libertadores da América. Não sabíamos o que era um time vestir vermelho e preto e exibir um futebol tão vistoso. O heptacampeonato brasileiro estava garantido. Perder uma final para o River não era nada demais para um ano tão brilhante. Estava tudo certo.

No sábado, rolou a confraternização anual da Acerva Goiana, associação da qual faço parte e que reúne cervejeiros caseiros do nosso estado. A festa foi no Clube Oásis. Servidos por inúmeros bicos de chopes maravilhosos, eu assistia ao jogo em um telão instalado no local especialmente para transmitir a final do torneio sul-americano.

Minha caçula estava com fome e fui ao food truck comprar uma porção de coxinhas. Era meio do segundo tempo. Foi quando me convenci que estava tudo certo. O ano de 2019 já estava na história do Flamengo, independente do resultado daquela partida.

Sentei novamente e já não sofria com a pressão sem gols do Flamengo. Até que Bruno Henrique encontrou aquele espaço na área argentina. Arrascaeta se jogou na bola para para fazer um passe. E Gabigol empurrou a pelota para as redes. Era o que eu precisava para reconsiderar aquilo que já havia me preparado emocionalmente para viver. Tudo mudou. Na prorrogação e pelo contexto do jogo, o rubro-negro era favorito para levar o caneco.

Bebi o resto de cerveja no meu copo na comemoração do primeiro gol. Fui à chopeira para abastecer. Enquanto me servia, vi Diego lançar a bola para o ataque. Vi Gabigol ganhar no corpo do zagueiro. Vi a bola sobrar na sua perna esquerda. Vi o atacante acertar o chute indefensável. E não vi mais nada.

Quando me dei por mim, estava de pé, na frente do telão. Lágrimas corriam no meu rosto como cachoeira. Chorei de ensopar a barba. Que emocionante. Começamos a cantar o hino do Flamengo. O juiz apitou o final do jogo. A Libertadores voltava para a Gávea depois de 38 anos.

Abracei desconhecidos, recebi cumprimentos de amigos, liguei para meus pais que estavam na fazenda do meu tio vendo o jogo. Liguei para minha irmã que estava na casa de um amigo em comum. Não deu para conversar direito com nenhum deles. Muito barulho dos dois lados. Tudo certo. Sabíamos o que tínhamos a dizer uns para os outros. Nós vimos a história passar na frente dos nossos olhos.

Abracei a filhota que vestia uma camisa rosa do Flamengo. Ela não se liga em futebol, não sabe o que aquele sábado significou. Tranquilo. Eu sei.

O hino flamenguista diz que nos Fla-Flus é o ai Jesus. Ampliando o conceito de Fla-Flu para todo jogo decisivo, é bem assim mesmo. Se não for no sofrimento, não é Flamengo. Haja ai Jesus!

E por falar em Jesus, obrigado por tudo, Jorge Jesus. Muito obrigado.

Pablo Kossa é jornalista, produtor cultural e mestre em comunicação pela Universidade Federal de Goiás

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