Nessa semana, Paulo Guedes mostrou a razão pela qual topou se engajar no projeto de Jair Bolsonaro. Sua visão de mundo e como ela enquadraria o Estado brasileiro ganhou vida com o pacotaço entregue ao Congresso Nacional.
É preciso reconhecer sua coragem e ousadia. E esse reconhecimento não quer dizer que tenho concordância com o teor das PECs. O que destaco: é inegável que o proposto muda as diretrizes constitucionais do Brasil. Para melhor ou pior, aí é uma questão de gosto.
Tenho inúmeras restrições ao que Guedes encaminhou. Mas também tenho várias concordâncias. Como o volume de assuntos é gigante e tenho certeza que vamos falar disso por longos e longos meses, quero me ater hoje à questão dos municípios.
A Constituição Cidadã facilitou muito a criação de novas cidades. Com isso, a partir de 1988 tivemos uma explosão no número de novos municípios Brasil. Somente em 1996 foi criado um freio para que pequenos distritos não mais se tornassem cidades autônomas.
Mas aí o abacaxi já estava na praça, como ainda está. E agora alguém tem que descascar.
É preciso reconhecer que essa autonomia melhorou sim as condições de vida das pessoas que moram nesses vilarejos que se tornaram cidades. Ter um prefeito, vice-prefeito, vereadores e a estrutura administrativa que envolve tudo isso favorece a agilidade na resolução de problemas.
Por outro lado, esses locais vivem quase que exclusivamente de repasses federais e estaduais para sua existência. Sem essa grana que vem de fora, o seu funcionamento é inviável.
O recorte proposto por Guedes é interessante. Cidades com menos de 5 mil habitantes e que não arrecadem nem 10% de sua necessidade seriam incorporados a uma cidade vizinha que conseguisse cumprir com esses requisitos.
No papel, tudo perfeito. Na prática é que o bicho pega.
A cidade que perde o status de autônoma vai ficar relegada a segundo plano. E a que adquire a nova responsabilidade vai ficar com o pepino nas mãos. Ou seja, ambas saem perdendo.
Além disso, é preciso compreender que existem cidades na região Norte do Brasil que ficam a centenas de quilômetros de distância uma da outra. A integração administrativa nesses casos é impossível.
Outro ponto que precisa ser observado é o fator cultural. Cidades de grande peso histórico, mas com arrecadação baixa e população pequena, perderiam sua autonomia administrativa. Isso é um problemão.
A bola agora está no Congresso. Acredito que inserir mais critérios para o corte poderia melhorar o desenho. Por exemplo, estabelecer um máximo de 50 quilômetros entre as duas localidades para a fusão. Outro crivo interessante seria a análise exclusiva de cidades que foram criadas a partir de 1988. Se organizar direitinho, melhora para todo mundo.
Contudo, não acredito que isso vai acontecer. Acho pouco provável que os deputados e senadores comprem esse desgaste na iminência das eleições municipais. Se pensassem no País independente das urnas, existiria uma chance de sair algo. Mas não vejo essa magnanimidade em nossos parlamentares.
Aos poucos, Guedes vai entendendo como funciona o jogo de Brasília.

Pablo Kossa é jornalista, produtor cultural e mestre em comunicação pela Universidade Federal de Goiás