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Uma vez Chicago boy, Chicago boy até morrer

22 de novembro de 2019 Nenhum Comentário

Paulo Guedes tem um mérito inegável: ele acredita profundamente nas convicções que habitam seu coração. Se esses fundamentos são bons ou ruins para o Brasil, é outro debate. E envolve um bom tanto de perspectiva de mundo da parte de quem analisa.

O que quero destacar para começar essa conversa é a profunda crença do ministro da Economia na visão liberal. Uma vez Chicago boy, Chicago boy até morrer. Só que das teorias de Mises para a prática no Brasilzão real de meu Deus, amigo, são milhas e milhas e milhas de distância. A completa imperícia de Guedes para tentar implementar seus conceitos grita aos ouvidos.

Sua estratégia despreza a política. Ignora o timing social e parlamentar para apresentar a pauta a qual pensa ser o melhor para o país. Talvez seja falta de experiência no setor público. O dono da alcunha “posto Ipiranga” construiu carreira e fortuna na iniciativa privada, onde as mediações são supérfluas. Ou, até mesmo, desnecessárias para a execução do planejado. Basta a ordem do chefe.

A vivência na administração pública do Chile também não colabora para a compreensão do funcionamento da política. Não, ao menos, em ambiente democrático. Quando esteve por lá, o país andino vivia sob o porrete do abjeto Augusto Pinochet. Não havia necessidade de negociação ou convencimento para implementar o liberalismo de Chicago. Bastava o aceite do ditador. E assim foi feito. Ou você acredita que a pauta liberal seria aprovada tal qual foi se o Chile não vivesse sob o terror? Nunca. O projeto foi imposto na base da tortura, morte, exílio e barbárie. Em regime democrático, a reforma liberal não seria tão ampla. E os resultados colhidos pelo liberalismo lá são questionáveis. As revoltas chilenas de hoje são prova disso. O caminho trilhado teve alto custo social.

Guedes deveria olhar mais para seu paradigma chileno ao orientar sua ação no Brasil. Tungar dinheiro de desempregado é nojento. Como vi esses dias no Twitter, ele teve a coragem de propor a taxação das grandes pobrezas. É de uma crueldade aviltante. Sabe qual a chance disso passar no Congresso Nacional? Zero. Não há deputado com interesse de sobreviver na política que se atreva a endossar algo tão lesa-pobre. O liberalismo selvagem tem nos parlamentares um filtro. E ainda bem que não vivemos sob o terror dos anos Pinochet. Ainda bem.

Jair Bolsonaro já compreendeu que Guedes peca por ir com muita sede ao pote. Raposa velha com quase 30 anos de política nas costas, o presidente entende melhor o humor das ruas e, por conseguinte, do Congresso, que o Chicago boy. Bolsonaro tirou o pé e freou o ritmo da equipe econômica. Alguns países da América do Sul convulsionam. Sim, cada um pelo seu motivo. Mas a situação do continente está longe de ser tranquila. O presidente não quer dar motivos para que as ruas brasileiras peguem o rumo das dos nossos vizinhos. E ele está certo. Agora tem que convencer seu ministro disso.

 

Pablo Kossa é jornalista, produtor cultural e mestre em comunicação pela Universidade Federal de Goiás

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