O fim das revistas brasileiras de música mudou minha relação com a arte que mais toca meu coração. E isso não é uma coisa boa. Desde o lamentável encerramento da publicação impressa da Rolling Stone, me sinto órfão.
Leitor da Bizz desde os anos 1980, ainda não me adaptei ao novo mundo. As revistas eram meu norte. Admirava os críticos, lia com cuidado todas resenhas dos lançamentos. Tudo isso foi para o saco.
Ainda assino a Noize, que sempre encaminha um vinil junto da publicação impressa. Mas essa revista não supre a lacuna de minha vida. O louvável trabalho dos gaúchos se assemelha mais a um zine. Muito bem feita, muito bonita, muito relevante. Mas ainda um zine. Falta jornalismo. O clima é de brodagem, e isso é ótimo. Mas não preenche aquilo que meu coração demanda.
Por isso, fico perdido entre os lançamentos dos discos do ano. Não tenho meus filtros tradicionais e ainda não encontrei a melhor forma de me atualizar.
Segue abaixo o melhor que ouvi da música brasileira lançada em 2019. Escutei muito lixo, definitivamente a safra não foi boa no ano que termina. Alguns nomes podem ter passado batido por não ter chegado ao meu conhecimento. Peço desculpas.
Nos dez trabalhos que selecionei, você vai escutar muita coisa interessante.
10 – Ana Frango Elétrico – Little Eletric Chicken Heart
A jovem compositora carioca se destaca pelo nonsense. Delicadamente absurda, sua música conquista pelo singelo, pela sinceridade, pelo descompromisso. A diversão é garantida.
Destaque: Se no cinema
9 – O Terno – Atrás/Além
A banda paulistana evolui disco após disco a olhos nus. Nesse último trabalho, as influências de Clube da Esquina ficaram mais explícitas. O texto de Tim Bernardes consegue tocar de verdade o coração. Grande compositor.
Destaque: Bielzinho/Bielzinho
8 – Dead Fish – Ponto Cego
Como é bom se sentir em casa. Assim me sinto quando ouço Dead Fish. Se há virtude em artistas que se esforçam para apresentar algo novo a cada trabalho, também tem valor inconteste aqueles que se trabalham para manter a coerência. E Dead Fish é isso: coerência. Para mim, hardcore é tipo confort food: não é para todo dia, mas quando chega, acalenta a alma. Volto à adolescência ouvindo Dead Fish. É revigorante ver a banda capixaba ainda nervosa, indignada, com texto afiado. Grande disco.
Destaque: Messias
7 – Boogarins – Sombrou Dúvida
Os goianos atingiram seu auge. Esse é o melhor trabalho até agora lançado pela banda. O vocal de Dinho amadureceu, agora entendemos o que ele canta. As letras apareceram, o instrumental permanece sublime. Golaço.
Destaques: Sombra ou Dúvida
6 – Elza Soares – Planeta Fome
Elza continua em seu corajoso trabalho de se conectar às novas gerações, evitando a postura que lhe seria mais cômoda. Essa atitude, além de louvável pela perspectiva pessoal, está rendendo ótimos frutos sob o olhar estético. Tal qual Neil Young, Elza Soares can never die.
Destaques: Blá Blá Blá
5 – Emicida – AmarElo
Outro artista que mostra uma evolução consistente com o passar dos trabalhos. Nesse disco, ele pinta mais sereno, mais compreensível. Mas não perdeu contundência. O texto continua tocando nas feridas necessárias. Emicida é realmente dos grandes.
Destaque: Eminência Parda
4 – Djonga – Ladrão
O melhor nome do novo rap brasileiro. Postura agressiva, texto maiúsculo. Batidas secas que dão a evidência necessária à letra. O flow do mineiro está cada vez mais preciso.
Destaque: Hat-trick
3 – Odair José – Hibernar na Casa das Moças Ouvindo Rádio
É bom demais ver alguém na idade do goiano ousando como ele. Um disco de rock clássico, influências claras de Creedence Clearwater Revival. Texto sacana, belas sacadas. Discão.
Destaques: Rapaz Caipira
2 – Fafá de Belém – Humana
Disco ousado e que reconecta a cantora paraense com as novas gerações. A música do ano de 2019 é de Fafá, com composição de Letrux: Alinhamento Energético. A vigora interpretação de Revelação é emocionante.
Destaques: Alinhamento Energético
1 – Black Alien – Abaixo de Zero: Hello Hell
Esse é o disco de 2019. Um trabalho que já nasceu clássico. Impressionante como o rapper carioca voltou tratando de temas tão pesados, mas com leveza no olhar. As rimas mostram Black Alien no seu auge criativo. Essencial.
Destaques: Carta pra Amy

Pablo Kossa é jornalista, produtor cultural e mestre em comunicação pela Universidade Federal de Goiás