OpiniãoOQRTendência Pablo Kossa

Deixem as bibliotecas em paz!

7 de fevereiro de 2020 Nenhum Comentário

Somente os invertebrados têm o direito de não se indignar com o que aconteceu em Rondônia. A Secretaria de Educação mandou recolher das bibliotecas escolares sob sua gestão 43 títulos literários.

Os autores Rubem Fonseca (o preferido dos torquemadas rondonienses), Caio Fernando Abreu, Mário de Andrade, Ferreira Gullar, Carlos Heitor Cony, Aurélio Buarque de Holanda, Carlos Nascimento Silva, Ivan Fernandes (filho de Millôr Fernandes e organizador de uma coletânea da obra do pai), Nelson Rodrigues, Sônia Rodrigues, Rosa Amanda Strausz, Machado de Assis, Franz Kafka, Euclides da Cunha e Edgar Allan Poe não passaram pelo crivo do “neo DIP” comandado pelo governador bolsonarista Coronel Marcos Rocha. Uma lástima.

Quem ainda estiver em dúvida sobre o que ler em 2020 está com uma bela lista de referências em mãos. Obras reconhecidas pelo valor cultural. Autores paradigma da literatura nacional e mundial. Diversão e aprendizado na certa.

Esse é o problema de darmos qualquer abertura ao arbítrio: em pouquíssimo tempo, os saudosos da censura pós-1968 colocam as asinhas de fora e ficam descontrolados.

Os responsáveis pela Educação do estado da Região Norte querem dificultar o acesso dos nossos jovens à literatura que julgam inconvenientes. Querem tutelar a leitura de quem está iniciando o contato com as letras. Já é árduo além da conta fazer com que jovens de escolas públicas se interessem pelos livros. E o Governo de Rondônia consegue piorar o que já é ruim.

Tenho carinho especial pelas bibliotecas. Uma em particular marca minha vida: a da Escola Técnica Federal de Goiás. Minha casa sempre foi cheia de livros, não posso reclamar disso. Mas quando entrei na ETFG, ao lado do Mutirama, para estudar no segundo grau técnico em Saneamento, um novo mundo se abriu. A fartura de obras me inebriava.

Ficava horas e horas circulando entre as estantes. Folheava livros, via as capas, lia as orelhas… Sempre saía com alguma coisa nas mãos. Devorava as páginas e, alguns dias depois, devolvia o livro e já sai com outro debaixo do braço. Devo um bom tanto do que sou hoje, profissionalmente e como ser humano, à biblioteca da ETFG.

Por isso me dói e enfurece o que se tenta em Rondônia. A cadela do fascismo está sempre no cio, já nos alertou Bertold Brecht. Começa recolhendo livros. O próximo passo é queimá-los em fogueiras, como aconteceu na Alemanha nazista no triste 10 de maio de 1933.

Quando esses obscurantistas vão começar a pedir para que os corpos dos intelectuais sirvam de brasa para as labaredas?

Pablo Kossa é jornalista, produtor cultural e mestre em comunicação pela Universidade Federal de Goiás

 

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