OpiniãoRevistaTendência Pablo Kossa

Sinto inveja de quem maratona séries na quarentena

31 de março de 2020 Nenhum Comentário

Acordo 5 da manhã e, depois de um rápido desjejum e dos rituais de higiene pessoal, enfio a cabeça no trabalho. O dia segue corrido. Não estou dando conta da demanda de redes sociais, notícias, leituras e informações em doses cavalares por conta da crise do coronavírus. Vou dormir depois das 11 da noite, nunca sem antes me atualizar do que aconteceu no exterior por meio dos jornais internacionais. Meu corpo pede mais sono. Respondo: sem tempo, irmão. No final de semana, deixo que a natureza me desperte. Normalmente não chego às 8 da manhã.

 

Jornalistas estão dentre as categorias que tiveram um incremento robusto na jornada de trabalho desde que a maldita covid-19 passou a nos infernizar. E não temos a menor garantia que isso se reverterá em contracheques mais gordos, já que a crise financeira pegou geral. A vida é dura.

 

A rotina está punk, mas é gratificante. Quando vejo que Goiás disputa a liderança dentre os estados brasileiros que mais aderiu à reclusão domiciliar, sei que a imprensa séria, compromissada com os fatos e tão toscamente vilipendiada por lideranças ignóbeis tem sua parcela de responsabilidade nisso. Dá um orgulho danado. E seguimos em frente.

 

Nesse contexto de trabalho que não acaba e estresse contínuo, vejo gente reclamando de tédio, maratonando temporadas inteiras de séries em um único dia, com tempo de sobra para criar desafios e joguinhos de bandas musicais nas redes sociais. Preciso ser sincero e revelar o pior do meu lado mais humano: sinto uma puta inveja. Não estou conseguindo sequer cumprir a pauta do dia, sempre vou pra cama devendo alguma atividade que não foi possível realizar. Enquanto isso, vários já mataram o cardápio disponível na Netflix e reclamam por mais opções. Não é justo.

 

Mas nosso dia vai chegar. Os trabalhadores do Brasil que tiveram sua rotina estendida nesses dias difíceis serão recompensados. Ainda vamos gozar do tédio, do dia modorrento por já termos assistido tudo que estava disponível nos aplicativos de streaming. Não se trata de prognóstico. Na boa, a maior probabilidade é que isso nunca aconteça. Mas preciso ter fé e esperança de que nosso dia vai chegar. Sem isso, a cabeça pifa. E, nesse momento, tudo que não precisamos é de surtos insanos.

 

Dias difíceis pedem serenidade. Nós, da imprensa profissional, vamos do jeito que dá. Sempre na torcida para que chegue nosso dia de maratonar séries ao longo de tardes preguiçosas deitados no sofá de casa. Vai que alguém lá em cima resolve nos atender, né?

 

Pablo Kossa é jornalista, produtor cultural e mestre em comunicação pela Universidade Federal de Goiás

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