OpiniãoOQRTendência Pablo Kossa

Minha cabeça faz conta o dia inteiro

10 de março de 2020 Nenhum Comentário

Minha sina é fazer conta. A vida inteira. O tempo todo. Até dormindo estou fazendo conta. Meu cérebro não para. Nada muito avançado, né, baby? Quatro operações básicas, juros simples, cálculo de áreas geométricas, quantos anos faltam para aposentar, qual tempo para chegar no trabalho naquele horário específico, se será possível ouvir determinado podcast no trajeto que tenho que percorrer. Coisa de gente de vida ordinária, categoria na qual me incluo com louvor.

Tenho certeza que essa característica se deve ao meu baixo poder aquisitivo. Para ser mais direto, é coisa de pobre. Você acha que rico, que já nasceu com a vida resolvida, tem o pensamento fervilhando em números dessa forma? Nunca, meu amigo. O cara chega no restaurante e, sem olhar o cardápio, já manda descer aquela garrafa de vinho que gosta. Sem titubear. Não pensa no valor, não procura as promoções.

O viés ideológico da pobreza está tão arraigado no meu ser que, mesmo que ganhasse na loteria acumulada, jamais conseguiria me portar como um milionário. Não basta ser pobre, ter cara de pobre, ter conta bancária de pobre. Tem que pensar como pobre.

O lado ruim de fazer conta o tempo todo é que nunca descanso. A cabeça está sempre processando algum número, algum prazo, algum juro. Qualquer escada que subo, começo a contar os degraus. Qualquer compromisso que assumo, penso no tempo que será gasto em todo programa. Estou certo que isso não é salutar.

Por outro lado, existe algo de positivo nessa característica tão minha. É difícil alguém me dar um tombo, viu? Quando a pessoa está falando e ensaiando o golpe, já tenho todas as contas na ponta da língua para evitar o passo em falso. A vida não se resume a somente tomar gol.

Estou me esforçando para mudar esses pensamentos obsessivos com números. Não é moleza. A pindaíba que vivemos empurra nossa cabeça para esse oceano de dívidas que não sabemos como pagar, boletos atrasados, juros do cheque especial, consignados que levam um alto percentual de nossa renda, financiamentos e, o pior de tudo, aqueles telefonemas de DDD esquisito que a gente sabe, mesmo antes de atender a ligação, que estarão nos cobrando alguma coisa não paga.

Além de tudo isso, ainda tem queda da Bolsa de Valores, confusão na cotação do petróleo, pibinho constrangedor, dólar na estratosfera e perspectivas ínfimas de crescimento do emprego formal.

Haja números!

Pablo Kossa é jornalista, produtor cultural e mestre em comunicação pela Universidade Federal de Goiás

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