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Mandetta pode virar o FHC de Bolsonaro?

8 de abril de 2020 Nenhum Comentário

A vida é um rio pelo qual navegamos e que não sabemos o curso. E, ousados que somos, tentamos domar essas águas, dando algum rumo para onde o imponderável nos leva. Tem horas que dá certo, tem horas que não. É do jogo.

 

E, não se iluda, o imprevisível da vontade do leito pelo qual seguimos é sempre mais forte que todo planejamento que você gastou horas organizando, que as planilhas que você cuidadosamente preencheu e das horas de mindset moldado por youtuber canastrão, meu velho. É foda, mas é a real.

 

Veja o que a vida colocou no caminho de Jair Bolsonaro e de Luiz Henrique Mandetta: a maior crise de uma geração. As melhores biografias do Brasil teriam que rebolar para conseguir mitigar as consequências funestas desse vírus na vida de nosso povo. O presidente e seu ministro da Saúde estão longe de estar nesse seleto rol, o das melhores biografias.

 

Um, deputado de baixo claro que ganhou notoriedade em programas fuleiros de televisão pelas atrocidades que falava. Outro, também deputado de família tradicional na política de um estado periférico, tal qual é nosso Goiás. São esses caras que têm a responsabilidade de nos conduzir na travessia da melhor forma possível por algo que, a priori, sabemos que bom fim não terá. O trabalho deles é para que seja menos pior, o que não é pouca coisa.

 

Até agora, Mandetta cresceu com o desafio colocado. Está muito maior do que quando essa crise começou. Bolsonaro, por sua vez, se apequena, está encantoado pelos fatos e sua base de sustentação se esvai. Cada um lida de uma forma diferente com o que vida impôs e, naturalmente, colhe os frutos que suas escolhas geram.

 

Já tem gente falando do potencial presidenciável de Mandetta. Acho precipitado. Mas não temos a menor ideia de onde a maldita covid-19 vai nos deixar no final de 2022, ano em que voltaremos às urnas para escolher o próximo presidente. Mandetta pode ser o FHC de Bolsonaro? Pode. Certeza que será? É óbvio que não.

 

Se, no momento do impeachment de Fernando Collor, alguém dissesse que Fernando Henrique Cardoso sucederia Itamar Franco, vencendo Lula ainda no primeiro turno, seria tirado de maluco. Pouco tempo antes de Collor ser escorraçado do Palácio do Planalto, FHC estava doido de vontade de entrar na barca colorida. Não levou o PSDB para a roubada por veto de Mário Covas. Então cacique-mor dos tucanos, o avô do atual prefeito de São Paulo não deixou que o partido se tornasse base de apoio do alagoano para que, em troca, FHC comandasse o Itamaraty. O tempo mostrou que Covas estava certo.

 

Na gestão de Itamar Franco, o PSDB acertadamente entrou como apoio do mineiro, FHC assumiu o ministério da Fazenda, o Plano Real foi colocado em prática, a derrocada da inflação agradou em cheio a população e o professor da USP que queria ser auxiliar de Collor venceu Lula, quando o antigo líder sindical era favoritíssimo no pleito de 1994. FHC bate Lula ainda no primeiro turno.

 

E repetiu a dose em 1998, ganhando novamente do petista no primeiro turno. O rio da vida seguiu por um caminho que FHC não tinha a menor condição de prever, mas ele conseguiu os melhores resultados frente os cenários postos.

 

Mandetta vive seu momento de FHC. Ele não foi candidato a deputado federal pelo Mato Grosso do Sul por receio de não vencer o pleito. Pela falta de nomes qualificados na base de apoio de Bolsonaro, foi indicado por Caiado para compor a equipe do presidente eleito comandando a prestigiada pasta da Saúde.

 

Fazia uma gestão para lá de discreta. Um ano atrás, provavelmente teríamos que recorrer ao Google para saber quem era o ministro da Saúde. Seu sonho político era mais singelo: ganhar capital político para disputar a Prefeitura da capital de seu estado. Gerir Campo Grande era o sonho sonhável. Se as coisas corressem muito bem, disputaria o governo do estado em 2022. Esse já era considerado um sonho ousado.

 

A vida lhe colocou desafios colossais no caminho. Enfrentar uma pandemia que paralisou o mundo não é pouca coisa. Nesse cenário, seu nome cresceu. Mandetta não precisa mais da identificação do cargo para que a opinião pública lhe reconheça. Sua foto está nas capas dos principais jornais do país.

 

Biografias estão sendo escritas nesse momento peculiar da história da humanidade. Dependendo de como o Brasil passar por essa crise, Mandetta se qualifica para desafios maiores. Caso contrário, ele sempre terá os sonhos provincianos de seu estado natal para satisfazê-lo.

 

Aprendi com Ringo Starr que tomorrow never knows. Só o tempo dirá qual será o destino de Mandetta. Os dados foram lançados e estão quicando na mesa do cassino. Enquanto eles não param, rola o som: turn off your mind, relax and float down stream, it is not dying

 

Pablo Kossa é jornalista, produtor cultural e mestre em comunicação pela Universidade Federal de Goiás

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