Abro algum portal de notícias (e como andamos abrindo portal de notícias, né) e me deparo com essa pergunta: o que você vai fazer quando acabar a quarentena? Ao lado da manchete, a foto de uma garotinha. Loirinha, lindinha, toda simpática. Ela diz que quer ir para a praia assim que a determinação de priorizar a reclusão domiciliar se findar. Impossível não se sensibilizar com o sorriso ingênuo e cheio de dentes de leite da menina. Impossível não sonhar com o mar, goiano que sou, que há tanto tempo não molha e salga o meu cabelo.
A matéria de tom contemplatório, que nos induz a imaginar um day after, tem seu poder de sedução. Trago para minha situação familiar. Faço à caçula a mesma pergunta. Ela responde que quer ir ao cinema. Cita dois filmes que estariam em cartaz caso as salas não estivessem citadas. Trolls 2 e Dois irmãos: Uma jornada fantástica. Fala também que quer ver seus amigos.
Bate um orgulho. Cultura e amizade são valores que cultivamos em nossa família. Se o que ela mais sente falta nesses dias dentro de casa são os amigos e o cinema, percebo que temos sucesso em nossa meta de transmitir para a prole as coisas que consideramos relevantes. A sensação de estar fazendo um serviço decente enquanto pai enche meu peito de alegria. Tomara que a baixinha também pense o mesmo.
Minha rotina anda corrida. Trabalhando feito um louco, muito mais horas do que em tempos normais. Com a única diferença que não estou usando tênis. Sim, o chinelo da Havaianas é meu companheiro nesses dias em casa. Quarenteners way of life.
Para a pergunta que fiz à minha filha, fico em dúvidas para responder. Uns dias atrás, me deu saudades de ir ao clube. Não posso dizer que essa é minha atividade de lazer preferida. Longe disso. Vou ao clube só para levar a baixinha. Enquanto ela brinca horas na piscina, fico embaixo de uma sombra, sem camisa e com um sonzinho, lendo e bebendo cerveja. Não molho sequer os pés na piscina. Volto pra casa com mais alegria do que quando saio do meu lar. Acho que senti saudades do clube somente pelo fato de ser um local fora dos muros do meu lote.
Sinto falta também das discotecagens. É um privilégio tocar um som que você gosta para que as pessoas se divirtam. E, no final da noite, ainda estar bebinho e com alguns reais no bolso. Estou com saudades disso também.
Mas acho que a primeira coisa que quero fazer quando voltarmos à normalidade possível é beber cerveja no balcão de um bar. Olhar as opções do cardápio, trocar uma ideia com o atendente e beber um belo copo em ambiente público. Depois, quero visitar os familiares mais próximos, marcar almoços dominicais com os amigos do coração e voltar a sentir vontade de ficar na minha casa. Sim, a eterna insatisfação do ser humano vai dar suas caras, tenho certeza.
E você? O que vai fazer quando acabar essa quarentena?
Pablo Kossa é jornalista, produtor cultural e mestre em comunicação pela Universidade Federal de Goiás
