O maldito coronavírus veio para bagunçar nossas vidas com gosto. Rotinas foram destroçadas como um biscoito canino na boca do cachorro desesperado de fome. Tudo aquilo que considerávamos consolidado, todas as regras que seguíamos diariamente, todos os locais pelos quais passávamos com frequência absurda… Quando é que poderemos fazer isso novamente mesmo?

 

Todos que tivemos condições, direcionamos o máximo possível da rotina profissional para dentro de casa. O tal do home office ganhou popularidade instantânea. Dinâmicas consolidadas por décadas foram subitamente alteradas e, talvez, nunca mais retornem ao modelo tal qual conhecíamos.

 

Comigo não foi diferente. Foi possível trazer boa parte de minha rotina profissional para um quarto de minha casa. Comprei uns equipamentos, arranjei uma luz redonda de youtuber, dei um grau na decoração para tirar uma chinfra. E comecei a ficar várias horas sentado nesse ambiente adaptado para ser meu novo escritório. Só não me atentei a um detalhe nada irrelevante: a cadeira.

 

Eu tinha uma antiga cadeira dessas de escritório. Havia comprado ela no ano 2000 e, devido ao baixo uso, ela ainda me atendia mais ou menos a contento. Bastou ficar as horas diárias que fico agora para minha lombar apontar insatisfação. Na última semana, dei uma travada tão violenta que perdi o rumo. A velha companheira tinha chegado ao seu limite. E saquei isso da pior forma possível.

 

Fui pesquisar modelos novos para comprar e nada me agradava. Não sou um cara fácil. Senil, alto, pesado, cheio de frescuras com tipos de tecido, cores, tipos de plástico… Até que encontrei um modelo que me agradou. Muito mais caro do que eu almejava gastar, é claro. Era um tal de modelo gamer. Logo eu, que tanto difamo os marmanjos que gastam milhares de horas com joguinhos que considero imbecilizantes. É pra queimar a língua mesmo: eu usando da tecnologia ergonômica feita para quem joga videogame. A vida sempre reserva uma dessas.

 

No sábado, entregaram a cadeira. Desmontada, é claro. Um manual pra cá, uns parafusos para lá, um ou outro palavrão desferido ao fabricante, mas nada muito dramático. Finalmente, tinha minha nova cadeira. A sensação de me sentar em algo que não agredia minha lombar foi quase orgástica. Entendi como os gamers ficam tanto tempo com joguinhos mequetrefes. É para ficar sentado naquele verdadeiro trono, o throne of games.

 

Ainda estou me acostumando ao meu novo trono. Mas, na boa, é fácil demais nos acostumarmos ao conforto. Duro será caso eu tenha que voltar à minha velha cadeirinha de anos e anos. Minha lombar não aceitaria o retrocesso. Agora que ela é tratada como rainha, voltar a ser plebeia não está em seus planos.

 

Pablo Kossa é jornalista, produtor cultural e mestre em comunicação pela Universidade Federal de Goiás

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