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Não reconhecer mais os amigos é triste

15 de maio de 2020 2 Comentários

Você leu a entrevista que o ator e diretor Daniel Filho concedeu à Folha de São Paulo de hoje? Se não o fez, por favor, faça agora. Esse é o link (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/05/sera-que-regina-duarte-se-apaixonou-por-bolsonaro-pergunta-daniel-filho.shtml ). Impossível não compreender a tristeza do cara.

 

Ele diz que só falou com o jornal paulista para que a repórter Laura Mattos escrevesse: “Daniel não está entendendo o que está acontecendo com a Regina, só sabe que ela está totalmente errada”. Daniel é amigo de Regina Duarte há mais de 50 anos. Além disso, foram casados por alguns anos no final da década de 1970. Ele diz que não compreende como a atriz chegou ao ponto em que chegou. Está pasmo.

 

Em cada resposta, percebe-se o espanto de não reconhecer mais a pessoa com quem compartilhou incontáveis horas de intimidade. Ele se estarrece por não compreender como ela conseguiu submeter sua biografia a um papel tão degradante. Desconfia da sanidade da velha amiga: seja por questões realmente psiquiátricas, seja por questões do coração. Faz algum sentido: o amor é o sentimento que mais nos leva a praticar a estupidez.

 

Todos temos pessoas assim em nossos círculos sociais. Gente com quem temos memórias excelentes. Todas guardadas debaixo de sete chaves dentro do coração. Aquele amigo de infância que hoje defende o genocídio do povo pobre. O primo que hoje compartilha notícias calcadas no terraplanismo microbiológico. O parente que destila ódio e acaba com o clima de almoços familiares. O vizinho que não respeita o básico elementar da convivência no grupo de WhatsApp do bairro com mentiras. Tal qual Daniel Filho, olhamos para eles e pensamos: “eu não entendo”.

 

O global diz que se esforça para identificar em que momento as coisas deram errado e a amiga se enveredou pelo caminho nefasto. Eu tento recompor a trajetória das pessoas do meu círculo social que também optaram pela barbárie e noto algumas pistas que os levaram a chegar no que vivemos agora. Um comentário truculento, uma visão equivocada e radical, um revés financeiro. O rancor, a mágoa, a falta de leitura… Nos casos que avalio da minha experiência pessoal, sempre passa por algo assim.

 

Daniel Filho diz que também se esforça para reconstruir os seus momentos de convivência com Regina para tentar identificar onde a coisa desandou. Esforço em vão. Ele não consegue achar.

 

E como deu errado, hein, Regina? Carregar esse equívoco em sua biografia deve ser pesado. A gente sempre tem que arcar o preço de nossas escolhas. Tenho a impressão que o seu custo será uma fortuna impagável.

 

Pablo Kossa é jornalista, produtor cultural e mestre em comunicação pela Universidade Federal de Goiás

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Foto: Revista Fórum

 

 

2 Comentários

  • Avatar RUY BRASIL CAVALCANTI NETO disse:

    Caro Pablo, gostaria de aproveitar para dizer que admiro muito seu trabalho! Sou um ouvinte diário e fiel da Interativa e compartilho, em Grande parte, da sua visão de mundo!
    Gostaria de aproveitar a oportunidade, e pedir que mande um grande abraço ao Zé Luis da rádio! Sou um grande fã do trabalho que ele faz!!
    Tamo junto meu velho!!

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