Há mais de um século, neste mesmo dia, 19 de junho, o italiano Afonso Segreto filmou imagens da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, para compor o primeiro filme brasileiro já feito, exibido em 1898. Essa data, considerada o dia do cinema brasileiro, marca uma longa história de auges e declínios para a produção cinematográfica nacional.
Os primeiros filmes gravados no país eram documentários. O gênero de ficção só ganhou espaço nas telas do cinema nacional em 1908, com o curta-metragem Os Estrangulados, de Francisco Marzullo e Antonio Leal. Além de obras de ficção, as comédias, as adaptações literárias e os filmes “cantados” – nos quais os atores dublavam a si mesmo por trás da tela- tiveram bastante sucesso com o público da época.
Influência estrangeira
Apesar do sucesso com o público, a produção cinematográfica nacional não conseguia competir com a estrangeira. Para ter uma noção, a primeira sala de cinema construída no Brasil se chamava “Salão Novidades de Paris”. Até 1914, os filmes europeus dominavam as telonas no país, mas com o início da Primeira Guerra Mundial, as produções européias diminuíram, o que permitiu os filmes hollywoodianos ganharem espaço. Esse foi o início de uma nova era para o cinema brasileiro.
Como as produções de Hollywood entravam no Brasil isentas de taxas alfandegárias, elas logo se difundiram por todas as salas de cinema do país e enfraqueceram a produção cinematográfico nacional. O sucesso dos filmes norte-americanos fez o público se acostumar com a legenda e o estilo que caracterizou o cinema clássico de Hollywood- narrativas lineares, geralmente com finais felizes. O cinema brasileiro precisou se adaptar a essas mudanças.
Na década de 1930, foi criado o primeiro grande estúdio do Brasil, o Cinédia. O estúdio passou a produzir filmes que lembravam os filmes hollywoodianos: histórias românticas, musicais com grande cenários e estrelas, como Carmen Miranda. Dentre os filmes produzidos na época, destacam-se: Limite (1931), de Mauro Peixoto; A Voz do Carnaval (1933), de Ademar Gonzaga e Humberto Mauro; e Ganda Bruta (1933), de Humberto Mauro.
Já no final da década de 1940, a criação dos estúdios Vera Cruz foi um marco para a industrialização do cinema brasileiro, com os seus grandes estúdios e equipamentos modernos. As produções dos estúdios Vera Cruz, contudo, continuaram imitando os filmes norte-americanos. O primeiro filme brasileiro a vencer o prêmio internacional do Festival de Cannes- O Cangaceiro (1953), de Lima Barreto- saiu dessa produtora.
Novos gêneros
O cinema brasileiro não se limitou a copiar Hollywood e criou gêneros próprios. O primeiro deles, chamado de chanchada, surgiu ainda na década de 1940 e era característico de comédias, sátiras e musicais de baixo orçamento, tendo como temas principais o carnaval, os costumes e tipos folclóricos do Rio de Janeiro. Algumas das obras produzidas desse gênero são: Carnaval no Fogo (1949), de Watson Macedo; Nem Sansão Nem Dalila (1954) e Matar ou Correr (1954), ambos de Carlos Manga.
O filme Rio, 40 Graus (1955), de Nelson Pereira dos Santos, foi o precursor de um novo gênero brasileiro, o Cinema Novo. Os cineastas desse gênero passaram a focar o cinema em temáticas populares, de cunho social e político, e na busca pelo realismo. Um dos maiores cineastas brasileiros, Glauber Rocha, liderou esse movimento com as obras Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), Terra em Transe (1967) e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1968).
Outro gênero brasileiro de destaque foi o cinema marginal, ou “udigrúdi” (termo que brinca com a palavra underground, usada para denominar os artistas da contracultura norte-americana). Criado em pleno regime militar, esse gênero quebrava com a estética tradicional de narrativa e propunha um cinema experimental. Do udigrúdi destacam-se: O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla; e Matou a Família e Foi ao Cinema (1969), de Júlia Bressane
A retomada do cinema brasileiro
Durante a ditadura militar, a indústria cinematográfica passou a ser controlada pelo Estado, por meio do Conselho Nacional de Cinema (Concine) e da Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme). A redemocratização do país, contudo, não trouxe melhoras para a produção cinematográfica brasileira. Com a crise econômica que o país enfrentava, a falta de incentivos dos governos- Fernando Collor, por exemplo, extinguiu as leis de incentivo à produção- e a popularização do videocassete, o cinema brasileiro entrou em declínio.
A retomada dessa arte no Brasil só aconteceu com a regulamentação da Lei Audiovisual, em 1993, o que possibilitou a produção de centenas de filmes nacionais nas últimas décadas. Carlota Joaquina, Princesa do Brasil (1994), de Carla Camurati é considerada a primeira obra beneficiária desse recurso. Entre os destaques desse período estão O Quatrilho (1995), de Fábio Barreto; O Que é Isso, Companheiro? (1997), de Bruno Barreto; e Central Brasil (1998), de Walter Salles- todos foram indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 1996, 1998 e 1999, respectivamente.
Com a criação da Ancine, em 2001, outras grandes produções brasileiras foram feitas, como Cidade de Deus (2002), de Fernando Salles; Carandiru (2003), de Hector Babenco; Que Horas Elas Volta? (2015), de Anna Muylaert. A indústria cinematográfica brasileira começou a ter espaço e a cada vez mais lucrar com as produções nacionais. Mas, o cinema brasileiro ainda está longe de competir com as películas estrangeiras. Seja pela restrição de investimentos, ou por pelo “hábito” de ver filmes de Hollywood, a arte cinematográfica brasileira é geralmente mais apreciada nos festivais internacionais do que na telonas nacionais.
A boa notícia é que, durante o período de quarentena, os espectadores podem contribuir para maiores investimentos nessa indústria, consumindo os conteúdos em plataformas públicas, como o Banco de Conteúdos Culturais (http://www.bcc.gov.br/) da Cinemateca Brasileira ou o Portacurtas (http://portacurtas.org.br/), e privados, como a Netflix e o Telecine Play.
20 filmes imperdíveis da história do cinema brasileiro
(de acordo com a professora da Academia Internacional de Cinema Lucilene Pizoquero)
- Barro Humano (1929), de Adhemar Gonzaga
- Sangue Mineiro (1929), de Humberto Mauro
- Limite (1931), de Mário Peixoto
- Ganga Bruta (1933), de Humberto Mauro
- Carnaval Atlântida (1953), de José Carlos Burle e Carlos Manga
- Sinhá Moça (1953), de Tom Payne e Oswaldo Sampaio
- O Cangaceiro (1954), de Lima Barreto
- O Pagador de Promessas (1962), de Anselmo Duarte
- Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha
- São Paulo, Sociedade Anônima (1965), de Luiz Sérgio Person
- Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha
- O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla
- Matou a Família e Foi ao Cinema (1969), de Júlio Bressane
- O Homem que Virou Suco (1981), de João Batista de Andrade
- Cabra Marcado para Morrer (1984), de Eduardo Coutinho
- Central do Brasil (1998), de Walter Salles
- Notícias de uma Guerra Particular (1999), de João Moreira Salles e Kátia Lund
- O Invasor (2002), de Beto Brant
- Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles
- Jogo de Cena (2007), de Eduardo Coutinho
Yorrana Maia
Sob a supervisão da Redação OQR