A onda agora é destruir estátuas. As cenas que vêm da Europa e da América do Norte são pesadas. Bristol na Inglaterra teve seu levante. A Bélgica também foi palco desse tipo de protesto. Nos Estados Unidos, na Virgínia e no Alabama as estátuas foram alvo dessas manifestações. Não gosto do que vejo. Acredito que cabe sim reavaliação dos personagens que figuram em locais de destaque de logradouros e praças, mas sua destruição não é positiva. Pelo contrário, é barbárie. Não se combate a incivilidade com mais incivilidade.

Qual a diferença entre quem faz picadinhos dessas estátuas perante os talibãs que implodem monumentos budistas? Sei que você tem a resposta na ponta da língua: a causa é justa. Bem, aí seria preciso de um tribunal para avaliar, não? Vejo que os dois casos são protagonizados por radicais que são tão convictos, mas tão convictos de sua pauta, que consideram absurdo levar o pleito aos órgãos responsáveis por mediar conflitos. E nada mais perigoso do que um ser humano radical e convicto. Nada. Esse cara aí faz tudo pelo que acredita. Até mesmo destruir patrimônios históricos. Nunca endossarei esse tipo de comportamento.

Mas o Fulano de Tal naquele pedestal na Praça Tal é um acinte! Esse cara foi um genocida!”. Provavelmente quem diz isso está certo. E aí sim entramos em um debate que me interessa. Dá para discutir sim se é conveniente, com o olhar que temos hoje, deixar um escroque em lugar de destaque para inspirar admiração social. Acho pertinente o debate de tirarmos dos espaços e levarmos para museus tais peças. Poderíamos ver a estátua com uma descrição ao lado de todos crimes que aquela figura histórica cometeu. Isso sim seria educativo. Não é por que destruímos a representação daquele ser ignóbil em uma praça que sua história deixará de existir. Ela precisa ser sim conhecida, discutida, criticada. Para nunca mais ser repetida.

Sei que estou fora do ethos mundial. O nosso zeitgeist é um tanto carcará, aquele do pega, mata e come. Não é a minha. Não mesmo. Sou forjado no diálogo e na construção de saídas dentro da democracia. Quem gosta de autoritarismo são as viúvas da ditadura que adoram lamber coturno. Tô fora. Eu gosto de regras constitucionais e pactuações coletivas.

E, principalmente, gosto de História. Mesmo a dos seres humanos que hoje consideramos abomináveis. Pois ela nos conta como chegamos ao que somos. E esse caminho, por mais sangrento que seja, e ele é, não pode ser destruído e esquecido.

Implodir as pirâmides do Egito seria legítimo em honra dos escravos que sangraram e morreram para erguê-las? Pode ser. Mas não é a melhora alternativa. Lembrar sempre a dor desses que perderam a vida é fundamental para entendermos aquele período.

Botar o Vaticano abaixo, começando pela Capela Sistina, seria apropriado para honrar a memória de todos que morreram nas mãos da Igreja Católica? Talvez. Mas não ajudaria em nada entendermos o poder dessa instituição por mil anos e de que forma ela legitimou as mais variadas barbáries ao longo desse tempo.

Não tenho dúvidas: a civilidade é sempre o melhor caminho.

 

 

Pablo Kossa é jornalista, produtor cultural e mestre em comunicação pela Universidade Federal de Goiás

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