Pouca gente se lembrou, não vi nada na publicado na imprensa. A data passou batida. Há pouco mais de dez dias, foi o aniversário de um ano de um dos maiores vexames diplomáticos da história do Brasil – e olha que, recentemente, os vexames de patamar global estão fartos. No dia 25 de junho do ano passado, o sargento Manoel Silva Rodrigues, de 38 anos, tentava entrar com 39 quilos de cocaína no aeroporto de Sevilha.

 

A Polícia Civil espanhola ficou estupefata: eram 37 pacotes, cada um com pouco mais de um quilo, enrolados em fita marrom de lacrar caixa de papelão. Nenhum cuidado em camuflar a carga, nenhuma tentativa de escamotear a bagagem ilícita. Tudo na maior cara dura. E o mais impressionante: o avião que trouxe o militar da Força Aérea Brasileira integrava a comitiva de apoio do voo presidencial de Jair Bolsonaro. Um escândalo diplomático.

 

O presidente se encaminhava à Osaka, no Japão, para uma reunião da cúpula do G20. O sargento era da equipe de apoio. O avião da comitiva parou na Espanha como escala, para reabastecimento e descanso do pessoal. As autoridades espanholas creem que no hotel onde a equipe repousaria se daria a entrega da droga. O valor de mercado da cocaína estimado pela polícia é uma fábula: 1,3 milhão de euros.

 

No dia 24 de fevereiro, nossa segunda-feira de carnaval, o sargento recebeu sua sentença da Justiça espanhola: seis anos de prisão e uma multa de dois milhões de euros. No dia do julgamento, o militar explicou: “A pessoa que me entregou isso no Brasil me disse que seu destino era a Suíça e que eu devia trazê-la para a Europa (…). Eu estava passando por dificuldades econômicas. Estou há 20 anos na FAB e nunca tive nenhum processo, mas um militar no Brasil não tem um salário bom. Sempre compro coisas nas minhas viagens, como celulares, e as revendo para ganhar um extra”, disse Rodrigues na audiência.

 

Até aí, tudo bem. A história estaria resolvida. Só que não.

 

Nem as autoridades brasileiras conseguiram identificar quem repassou a droga ao militar aqui no Brasil. E nem a investigação espanhola foi eficaz ao determinar quem seriam os receptores da cocaína em Sevilha.

 

Além disso, o militar afirmou que foi a primeira vez que traficava drogas usando o aparato presidencial. Será? Nos três anos que esteve na equipe que transporta chefes de Estado e outros nomes do alto escalão, Rodrigues foi membro da comitiva de 29 viagens oficiais. Em algumas dessas, com os então presidentes Michel Temer e Dilma Rousseff. Mais uma vez, a versão do condenado prevaleceu. Não conseguiram encontrar indícios de crimes ocorridos em outras ocasiões.

 

Agora, pense comigo: imagine o poder de quem tem a ousadia de arquitetar o tráfico de mais de um milhão de euros em cocaína dentro do avião da comitiva presidencial. Não tenha dúvidas, nobre leitor: é gente de alto calibre – nos sentidos figurado e literal. Talvez por isso, o sargento tenha assumido a bronca sozinho. Quando a lide é com esse tipo de gente, o silêncio costuma garantir a vida. Não dá para culpá-lo. Mas é inegável que as autoridades brasileiras e espanholas ainda nos devem respostas. E que, talvez, não seja interessante a elas nos dar.

 

Pablo Kossa é jornalista, produtor cultural e mestre em comunicação pela Universidade Federal de Goiás

Comente

X