OpiniãoTendência Pablo Kossa

A dura vida de artista no Brasil

4 de agosto de 2020 Nenhum Comentário

Estamos vivendo dias duros. Os mais duros de uma ou duas gerações. Não está fácil pra ninguém mundo afora. No Brasil, a coisa é pior. Só pra variar. A devastação econômica só não bateu com toda violência por causa do auxílio emergencial de 600 reais. Quando esse fundamental benefício acabar, o bolso brasileiro vai colapsar. Estamos beirando os 100 mil mortos de forma oficial. E as pessoas fazem fila para esperar mesa no restaurante bombado da cidade. E, como cereja do bolo e também elemento principal de show de horrores, um celerado no poder. É muita desgraça para um povo só.

 

Eu lhe disse que eram dias duros. Eu avisei que a situação brasileira era pior. E não se iluda: tudo que é ruim pode piorar. E muito. Basta você ser artista. Ou trabalhar na cadeia produtiva da cultura. Aí sim você está fodido com gosto (perdoe a excelência do meu francês).

 

Alguns exemplos recentes da tragédia que é viver de arte no Brasil são gritantes. Quando você vê a família de um cara do porte do Aldir Blanc mobilizar uma vaquinha na internet para bancar custos hospitalares pois ele não tinha plano de saúde, percebe que essa área é injusta.

 

Quando você vê uma cantora do calibre de Ângela Ro Ro pedir contribuições de dez reais aos fãs na internet para ajudar no seu sustento, percebe que essa área é ingrata.

 

Quando você lê a carta que Flávio Migliaccio deixou ao cometer suicídio, percebe que essa área é cruel.

 

Uma país que trata seus artistas da forma que tratamos merece o olhar abismado que o mundo nos direciona. Somos párias. Somos aquele povo outrora bagunçado, mas inegavelmente simpático, que agora queima suas florestas, desrespeita os direitos de seus povos nativos, menoscaba o saber científico, é insensível com os milhares de mortos da covid-19 e elege alguém repulsivo.

 

Nada vem de graça. É preciso empenho para colher frutos. Mesmo que esses sejam os piores possíveis. Realmente nos dedicamos com afinco para queimar nosso filme no planeta. O desprezo do mundo para conosco é para lá de justificado. Somos o que somos: esse povo bronco, tosco, sem noção. E azar de quem resolveu trabalhar com arte em nossas plagas. Brasileiro e artista. Coitado. Está duplamente fodido.

 

Pablo Kossa é jornalista, produtor cultural e mestre em comunicação pela Universidade Federal de Goiás

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Foto: Marcus em apresentação realizada no ano passado. Artista convive com o racismo e as heranças da escravidão no Brasil. Foto: Fernanda Abdo.

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